O governo do estado da Bahia apagou de sua conta no Instagram o post horrendo feito em colaboração com a Secretaria da Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais (Sepromi). Mas o governador petista Jerônimo Rodrigues não poderá se safar assim tão facilmente; a supuração ideológica exige remédios muito mais pesados. Exige remédios federais.
Para quem não se lembra, o carrossel dos infernos patrocinado pela autoridade pública equacionava a evangelização cristã com crime de intolerância religiosa. Inacreditavelmente, a frase “Você precisa encontrar Jesus” – uma das mais comuns expressões da fé popular – foi exemplarizada como crime e expressão de ódio, segundo o texto do post:
“Infelizmente, em pleno 2023, seja por falta de conhecimento ou por discriminação, a justificativa para casos de intolerância religiosa segue disfarçada de opinião. Mas esses tipos de frases e comentários carregados de ódio são crimes, de acordo com o Código Penal Brasileiro.”
A campanha do governo baiano foi uma das mais importantes e perigosas ameaças à liberdade religiosa partindo do Poder Executivo nos últimos anos, por sua pretensão explícita de atingir diretamente o proselitismo religioso e a expressão pública da religião
O que não passa de mentira deslavada, naturalmente. A profissão pública da fé e o convite religioso não são nem ódio, nem crime. E o mesmo vale para outras afirmações absurdas feitas na mesma pérola midiática, segundo detalhamos em outro artigo nessa coluna.
Eu não hesitaria em afirmar que essa foi uma das mais importantes e perigosas ameaças à liberdade religiosa partindo do Poder Executivo nos últimos anos, por sua pretensão explícita de atingir diretamente o proselitismo religioso e a expressão pública da religião. A se normalizar a caracterização da evangelização como ódio, o Estado poderia paralisar os processos de trânsito e migração religiosa, e até mesmo interferir na transmissão geracional da fé, sob a alegação de que a educação religiosa infanto-juvenil configuraria interferência na autonomia individual e na pluralidade religiosa. Se dizer a um adulto que “você precisa de Jesus” é ódio, por que não seria ódio dizê-lo a uma criança?
O post causou inúmeras reações indignadas, como a imediata enxurrada de comentários negativos nas mídias sociais e pronunciamentos de lideranças religiosas. O assunto foi parar no editorial da Gazeta do Povo, com um título muito apropriado: “O totalitarismo disfarçado de combate à intolerância religiosa”. Finalmente, na última quarta feira a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) encaminhou um ofício para a Ouvidoria-Geral do Estado da Bahia, direcionada para o próprio governador, solicitando a remoção da publicação. Graças ao bom Deus, o post foi removido, segundo noticiado pela própria Anajure.
Isso não é suficiente, no entanto. O governador Jerônimo Rodrigues deveria ordenar à Sepromi um pedido público de desculpas com as correções pertinentes, pois, ao manter aquela aberração moral e jurídica no ar por semanas a fio, o governo petista da Bahia mentiu, desinformou e deseducou a sua população sobre a verdadeira natureza da liberdade religiosa. O assunto é gravíssimo; não se tratava apenas de um ou outro erro pontual, mas de uma concepção inteiramente errada da expressão pública da religião, do proselitismo religioso e até mesmo das orientações do sistema internacional de Direitos Humanos nesse assunto, que temos tratado repetidamente nessa coluna.
Essa concepção inteiramente errada é um caroço de grandes proporções no angu lulopetista. A supuração acontecida no Instagram espalha o cheiro podre da má vontade que esse campo ideológico tem com o cristianismo evangélico e a razão pela qual a aproximação é difícil: a sua traição laicista dos Direitos Humanos. Para que a convivência democrática entre o petismo e o evangelismo seja possível, será necessário ao petismo espremer esse pus e desinfeccionar o seu entendimento sobre direitos humanos. Repito: a fonte da concepção inteiramente errada sobre a liberdade religiosa que domina o progressismo nacional é o seu dialeto laicista dos Direitos Humanos.
Tudo isso fica ainda mais grave quando o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) forma um grupo de trabalho para “combater o discurso de ódio e o extremismo” nas mídias sociais, com um grupo de participantes que varia da esquerda moderada à extrema-esquerda, os quais nunca se mostraram capazes de dialogar nem mesmo com a centro-direita. E o bolo vem com uma cereja: nenhum deles parece entender de liberdade religiosa. São todos laicistas.
O risco de que argumentos religiosos e conservadores nos campos da ética sexual, da ética do corpo, dos direitos reprodutivos e da família sejam classificados e combatidos como “discurso de ódio” é muito real
É claro que um grupo dedicado a pacificar o discurso público deveria ser dominado por moderados e, além disso, ter uma composição politicamente mista. Não faltam moderados de centro ou centro-direita. O ministro Sílvio Almeida não o fez, naturalmente, porque não o quis. Ao contrário, montou um grupo incluindo gente culpada de reforçar a polarização e, em alguns casos, de cultivar a inimizade social, classificando como “ódio” meras opiniões contrárias ao identitarismo ideológico.
Nessas condições, os temores são inevitáveis. Ainda que o post do governo do estado da Bahia com a Sepromi aconteça em um ambiente institucionalmente distante do MDHC, sabemos muito bem que esse é o páthos do lulopetismo. Esse é o “chão-de-fábrica” da formação ideológica progressista no Brasil. Pergunte a qualquer estudante universitário evangélico. O que esperar de uma militância que confunde liberdade religiosa com discurso de ódio?
O risco de que o excepcionalismo religioso católico e evangélico (a tese cristã de que “Jesus é o único caminho”) seja classificado como “discurso de ódio” é real. E mais: o risco de que argumentos religiosos e conservadores nos campos da ética sexual, da ética do corpo, dos direitos reprodutivos e da família sejam classificados e combatidos como “discurso de ódio” é muito real. O risco de vermos essa oratio horribilis na boca do ministro Sílvio Almeida é muito real.
Eu gostaria de acreditar no ministro. Eu acreditaria, por exemplo, se ele houvesse se manifestado sobre o post horrendo do (funcionário do) seu colega petista Jerônimo Rodrigues. Houvesse o nosso guardião das liberdades fundamentais agido assim, aplicando remédios federais à infecção baiana, teria transmitido uma maravilhosa mensagem de confiança aos cristãos brasileiros, diretamente atingidos por aquele insulto. Eu acreditaria se ele houvesse criado um Grupo de Trabalho para a Fraternidade e o Bem Comum, abrindo diálogo com os conservadores. Eu acreditaria se o seu Grupo de Trabalho contra o ódio e o extremismo reconhecesse o ódio e o extremismo progressista. Eu acreditaria se ele houvesse dito, quando teve a sua grande chance: “evangélicos, vocês existem!”, sabendo das demandas desse grupo no campo dos “costumes”, sabendo que ele envolve muitos negros, mulheres e pobres, e sabendo que muitos deles votaram contra Lula. Mas ele se esqueceu disso, por alguma razão.
Certamente o ministro Sílvio Almeida pode nos surpreender, orientando esse grupo à promoção da paz, ou restringindo severamente o escopo de suas intervenções, para evitar pioras na polarização. Mas confesso o meu ceticismo: não é só uma questão de boa vontade do ministro. O problema é essa compreensão inteiramente errada da liberdade religiosa e das liberdades civis fundamentais.
O ministro Sílvio Almeida quer combater o discurso de ódio e o extremismo, mas é ministro de um governo petista. Será ele capaz de ser melhor do que o petismo? Tenho certeza de que sim, se ele quiser. Estou torcendo por isso.
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