Importância da figura paterna foi desconstruída pelo feminismo, com consequências catastróficas para a sociedade.| Foto: Pixabay
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Ainda em plena campanha presidencial, em setembro de 2018, o general Hamilton Mourão (PRTB), vice de Jair Bolsonaro, declarou numa palestra em São Paulo que a crise de valores no país teria relação com a desestruturação das famílias e com a ausência da figura do pai. A afirmação dolorosa, mas absolutamente verdadeira, deixou a esquerda histérica, como seria de esperar:

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“Família sempre foi o núcleo central. A partir do momento que a família é dissociada, surgem os problemas sociais que estamos vivendo e atacam eminentemente nas áreas carentes, onde não há pai nem avô, é mãe e avó. E por isso torna-se realmente uma fábrica de elementos desajustados e que tendem a ingressar em narcoquadrilhas que afetam nosso país”

O homem foi atacado violentamente, sendo lido pelos piores ângulos possíveis. A senadora Kátia Abreu retrucou citando sua experiência pessoal de criar com sucesso três filhos sozinha (um dado anedótico e, para fins científicos, insignificante); Marina Silva interpretou a fala como uma acusação de que todos os filhos de lares sem pais seriam desajustados (ou seja, manipulou a fala do general). Dois dias depois o militar dobrou a aposta: “só mostrei o que é uma constatação”.

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O “desmonte do patriarcado“ defendido pelo feminismo não é meramente o combate a uma masculinidade tóxica, mas à própria noção de autoridade paterna

Por que tantos veículos de imprensa, políticos e influenciadores reagiram tão visceralmente contra a declaração perfeitamente razoável do general Mourão? Como em outros assuntos, por uma combinação de ignorância e ideologia.

Um mundo sem pai

A negação do lugar do pai vem de longe. Começou com a crescente ausência paterna nas famílias de cidades ocidentais, documentada desde os anos 1960. Ao mesmo tempo popularizou-se um ideal andrógino de saúde mental, graças aos esforços de psicólogos sociais como Sandra Lipsitz Bem, a partir dos anos 1970. Segundo essa perspectiva, os papéis tradicionais de gênero seriam excessivamente bipolares, e pessoas saudáveis teriam, supostamente, uma identificação alta e equilibrada com ambas as dimensões, masculina e feminina. Uma das consequências disso foi uma mudança na imaginação sobre a parentalidade: a presença do pai não seria essencial, já que a masculinidade poderia ser suficientemente representada em personalidades saudáveis.

Em 1982, Charllotte Patterson, psicóloga e professora da Universidade da Virgínia, especialista em pesquisas sobre parentalidade LGBT, publicou uma pesquisa com 1,5 mil crianças “demonstrando” que a figura do pai seria desnecessária para o desenvolvimento normal da criança. As taxas de divórcio já estavam explodindo na época, e seus argumentos eram tudo o que a sociedade queria ouvir. A coisa se encaixava muito bem com os valores da revolução sexual. Psicólogos progressistas repercutiram argumentos similares, e a imprensa caiu como um pato.

É claro que as feministas já “sabiam” disso muito antes de Patterson. Para os setores mais radicais do feminismo moderno e, particularmente, do “feminismo de gênero”, que nega a base natural e sexual da diferença entre o masculino e o feminino, a melhor “cura” para a violência masculina seria o desmonte do patriarcado. E por esse desmonte não se propõe meramente o combate a uma masculinidade tóxica, mas à própria noção de autoridade paterna. Dessa psicologia popular feminista brotou, em parte, o horror à fala de Mourão.

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A virada

O fato é que a mesa virou, e já virou há muito tempo. Um ano antes do estudo de Patterson, o The Fatherhood Project (“Projeto Paternidade”) foi fundado por James A. Levine, que viria a se tornar consultor do governo americano sobre o tema, e em sua esteira pipocaram inúmeras iniciativas de pesquisa e ativismo em relação à paternidade. Algumas iniciativas como o MADDADS e o movimento religioso Promise Keepers tinham um caráter de movimentação social e cultural; mas, além disso, pesquisas científicas conduzidas desde os anos 1980 desacreditaram completamente a tese feminista de uma superfluidade do pai.

O jogo começou a virar nos EUA em 1990, com um estudo de política pública assinado por Elaine Kamarck e William A. Galston: Putting children first: a progressive family policy for the 1990s (“Crianças em primeiro lugar: uma agenda progressiva de política familiar para os anos 1990”) apontava, entre outras coisas, a relação entre a queda no bem-estar das crianças e a crise da família americana. Kamarck e Galston influenciaram profundamente a política pública dos EUA nos anos seguintes, e ajudaram a mudar a opinião pública a respeito do papel do pai na formação da criança.

Crianças que crescem sem ambos os pais biológicos têm duas vezes maior probabilidade de serem pobres, ter um filho fora do casamento, ter problemas comportamentais e psicológicos, e de abandonar o ensino médio

Poucos anos depois, em 1994, Sara McLanahan e Gary Sandefur publicaram um estudo rigoroso, pela editora da Universidade de Harvard (Growing Up with a Single Parent), comparando quatro conjuntos de dados nacionais oficiais dos EUA, e demonstrando que crianças que crescem sem ambos os pais biológicos têm duas vezes maior probabilidade de serem pobres, ter um filho fora do casamento, ter problemas comportamentais e psicológicos, e de abandonar o ensino médio.

Esse foi um trabalho representativo em meio a inúmeros outros estudos enterrando a tese de Charllotte Patterson. Trinta e dois anos depois, em 2014, seria publicada uma revisão crítica exaustiva da literatura científica no Annual Review of Sociology sobre “Os efeitos causais da ausência paternal”, e confirmando o impacto dessa ausência na vida estudantil, no ajustamento socioemocional e na saúde mental adulta. E hoje o assunto não é mais tabu nos EUA; instituições importantes, como a Harvard Medical School, mantém iniciativas no campo, como o The Fatherhood Project.

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Ausência paterna e crime

A ausência paterna também tem impacto nos índices de delinquência juvenil e criminalidade. Um estudo publicado em 1996 indicava que, nos EUA, o risco de delinquência por adolescentes criados em famílias adotivas ou sem o pai biológico seria maior que o dobro do risco em famílias com os dois pais biológicos. Oito anos depois, em 2004, Cynthia Harper e Sara McLanahan confirmaram que o risco de encarceramento desses jovens era realmente maior.

Em 2001 essa tendência era objeto de discussão pela divisão de psicologia forense da British Psychological Society. Mais recentemente, um estudo feito na Holanda e publicado em janeiro de 2022 mostrou que a probabilidade de delinquência aumenta em famílias monoparentais, e especialmente quando a criança cresce apenas com a mãe biológica. No Brasil, especificamente, a questão não é desconhecida. Um estudo de 2010, na cidade de Belo Horizonte, mostrou uma correlação entre criminalidade juvenil e abandono parental. Em 2018 foi publicado o relatório “Aí eu voltei para o corre: estudo da reincidência infracional do adolescente no estado de São Paulo”, produzido pelo instituto Sou da Paz, mostrando que apenas 17% dos adolescentes moravam com ambos os pais biológicos antes da internação.

O fato de que a paternidade saudável segue recebendo pouquíssima atenção por nossa inteligência local e nossas políticas públicas é inexplicável, a não ser por motivações ideológicas

É claro que as evidências da importância do pai para a saúde da criança e da sociedade não provam que a ruptura da família seria a causa direta de todo sofrimento mental, da pobreza e da delinquência; mas revelam que ela é parte de um problema sistêmico em nossas sociedades. Tampouco uma política pró-família seria capaz de resolver nossos problemas nacionais; a pobreza e a criminalidade têm inegavelmente dimensões macroestruturais. No entanto, o macro e o micro formam um sistema, e não faz sentido combater um enquanto se abraça o outro. Não faz sentido combater o ciclo da pobreza sem problematizar a ausência paterna, que é uma das etapas desse ciclo.

O fato de que a paternidade saudável segue recebendo pouquíssima atenção por nossa inteligência local e nossas políticas públicas é inexplicável, a não ser por motivações ideológicas: isso exigiria recomendar o casamento monogâmico estável, o reconhecimento de um papel masculino específico na educação da criança, e a crítica ao divórcio. Ou, colocando de outro modo: isso poderia parecer um desempoderamento da mulher. No entanto, a humildade e a interdependência não desempodera ninguém, exceto ideólogos que desejam negar fatos. E os fatos nos dizem que os pais, como as mães, são indispensáveis.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]