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Guilherme de Carvalho

Guilherme de Carvalho

Guilherme de Carvalho é teólogo público e cientista da religião, com foco na articulação entre cristianismo e cultura contemporânea. É Pastor da Igreja Esperança em Belo Horizonte e diretor de L’Abri Fellowship Brasil. Foi diretor de Promoção e Educação em Direitos Humanos no Governo Federal.

Antissemitismo

Os honestíssimos e indispensáveis improvisos de Lula

O presidente Lula na coletiva de imprensa em que comparou a ofensiva israelense em Gaza ao Holocausto. (Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República)

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Quando o presidente Lula igualou a resposta militar de Israel na Faixa de Gaza ao Holocausto judeu promovido pelos nazistas, um amigo adoçou a coisa como uma besteira, um pé-na-jaca. O Estadão sugeriu como explicação o “improviso”, a mera fala descuidada, e não faltaram lamentos pelo “deslize” nas mídias sociais. Mas a narrativa do deslize não durou um dia.

No que se refere ao presidente Lula, improviso é honestidade. Os improvisos de Lula nos são indispensáveis. Graças a eles sabemos que o presidente inclusivo usa a esquerda identitária para subir ao poder, mesmo sendo – por seus critérios – racista e machista; e sabemos também que essa esquerda sobe a montanha montada no seu cangote. A elite usa o populista, e o populista usa a elite, cada um com seus próprios projetos de hegemonia.

E graças ao mais novo improviso de Lula, uma multidão de ratos saiu da toca. Assim que o presidente foi repreendido pelo Estado de Israel e declarado persona non grata, o antissemitismo de esquerda se levantou, iracundo. A presidente do PT, Glesi Hoffmann, atacou Benjamin Netanyahu: “Ele não tem autoridade moral nem política para apontar o dedo para ninguém”, disse à Folha de S.Paulo. E negou a necessidade de desculpas. A crise diplomática escalou e, numa semana de luz e honestidade, a militância saiu em massa na defesa do absurdo: Celso Amorim, Omar Aziz, Alexandre Padilha, entre outros, e uma multidão de jornalistas e influenciadores encorajando o governo a dobrar a aposta.

Os petistas têm a sua própria versão dos “direitos humanos para humanos direitos”: no caso, humanos direitos são aqueles alinhados ou úteis

Coragem, resiliência e transparência poderiam ser virtudes, não fossem, nesse caso, as escoras do vício. O PT nunca hesitou em distorcer verdades em nome das suas verdades; suas concepções idiossincráticas de bem e mal não incluem uma concepção sólida de justiça, e muito menos a consistência no campo dos direitos humanos, do que o comportamento político do ministro Sílvio Almeida diante do massacre perpetrado pelo Hamas se mostrou exemplar. Eles têm a sua própria versão dos “direitos humanos para humanos direitos”: no caso, humanos direitos são aqueles alinhados ou úteis.

Assim encontramos a militância sublinhando o número de vítimas em Gaza – números que, como se sabe, não distinguem civis e combatentes – para acusar Israel de genocídio, descontando hipocritamente o fato de que o país tem procedimentos há muito conhecidos para minimizar vítimas colaterais, e que não mira civis de forma intencional; manipulando o julgamento público com uma exigência de “proporcionalidade” completamente enviesada (o que seria “proporcional”? Matar o mesmo número de pessoas, praticar o mesmo número de estupros e assar o mesmo número de bebês em fornos?); negando a realidade de que o Hamas é uma ameaça permanente à segurança de Israel, independentemente de qualquer solução de dois Estados, e que precisa ser neutralizado; e ignorando o fato de que o alto número de vítimas em Gaza é resultado de um sequestro moral, político e militar da população palestina realizado por seus próprios cidadãos extremistas.

Meias-verdades, mentiras e narrativas. Uma das mais deslavadas é a de que a ação militar seria obra da “extrema direita sionista”, quando sabemos que ela é obra de um gabinete de união suprapartidário. Além disso, líderes da esquerda israelense, como a ativista Stav Shaffir, acabaram de rejeitar completa e publicamente essa narrativa, e o próprio chefe da oposição, Yair Lapid, declarou que Lula “demonstra ignorância e antissemitismo”. A verdade é que, no mundo pós-Holocausto e num Oriente Médio dominado pelo ódio ao Ocidente, ao judaísmo e a Israel, ser antissionista é ser antissemita.

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Toda essa movimentação tem uma racionalidade clara: forçar alguma reconfiguração no jogo internacional de poder para que o Brasil ganhe pontos dentro dos Brics e poder de barganha junto ao Ocidente. E ninguém duvidaria de que, diante da tempestade em escala global que se instala, ter peso e voz internacional será importante para a sobrevivência política e econômica nos próximos anos. A questão é que a jogada inteira do Novo Maquiavel brasileiro, que pode dar certo, tem um altíssimo custo moral. O Holocausto foi, de todas as coisas horríveis que a modernidade produziu, a mais horrível; e o petismo decidiu jogar politicamente com ela.

O que não dará certo, em nenhuma hipótese – e quanto a isso, meus amigos, vocês podem dormir seguros –, é atacar Israel dessa forma e tentar em seguida sorrir para os crentes. Em tempos de política afetiva, de polarização moral extrema e de discursos totalitários contra a liberdade religiosa, há nervos sensíveis que não deveriam ser tocados. Ou o PT desistiu definitivamente de qualquer diálogo com os evangélicos, ou viajou para a Disneylândia e acredita que poderá negociar isso com os evangélicos depois.

Como já tratamos em nossa coluna, o apoio evangélico a Israel é um fato antigo, bem estabelecido e, eu acrescentaria, o é em escala global, e não apenas no Brasil. Trata-se de uma questão histórica e teológica; o destino do cristianismo e o destino judaico estão irremediavelmente conectados, e é inútil traçar uma separação radical entre povo judeu e Estado de Israel, como alguns teólogos tentaram fazer recentemente. Os evangélicos brasileiros são, na maioria esmagadora, sionistas ou no mínimo filossemitas.

Se há um fato bem estabelecido e público para os crentes, é que a extrema esquerda brasileira, agora embalada no colo presidencial, é antissemita e antievangélica. E quem carimbou essa percepção foi o próprio Lula

Esse fato absolutamente corriqueiro do mundo evangélico assustou o jornalismo nacional. Folha, Estadão e outros jornais se apressaram a examinar o estranho fenômeno do apoio evangélico a Israel, e a BBC chegou a publicar um vídeo-reportagem sobre o tema: “Por que tantos evangélicos apoiam Israel?”. Eu fui um dos entrevistados na reportagem, mas fiz questão de perguntar depois: Por que a BBC não publica uma matéria sobre “de onde vem a explosão de antissemitismo denunciada pelo Conib”? Os números atingiram quase 1.000% de aumento. Não preciso dizer que nenhuma reportagem foi feita sobre isso. Mas todos sabemos a razão: as fontes do antissemitismo atual estão dentro das universidades públicas, das redações da grande imprensa e do parlamento.

A Folha de S.Paulo publicou nessa quarta-feira um artigo sobre o possível impacto da crise diplomática com Israel entre os crentes: “Evangélicos veem Lula mais distante e apontam erros em série após fala sobre Holocausto”. No artigo vê-se algumas leituras caridosas e otimistas, negando que esse posicionamento tenha causado prejuízos irreparáveis. Conversa fiada; ao mesmo tempo em que cometiam seu antissemitismo à luz do dia, militantes lulopetistas massacraram os evangélicos em todas as mídias sociais. E tudo aconteceu bem debaixo do nariz dos crentes.

Se Lula conseguirá reverter o mal-estar dentro da bancada evangélica? Talvez, com seus favores. Mas entre as massas evangélicas o dano será irreversível. Se há um fato bem estabelecido e público para os crentes, é que a extrema esquerda brasileira, agora embalada no colo presidencial, é antissemita e antievangélica. E quem carimbou essa percepção foi o próprio Lula, a alma mais honesta do país, em seus honestíssimos improvisos.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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