Não pensa que é fácil a vida do demagogo profissional – também conhecido como moralista moderninho, ou, popularmente, lacrador. Realmente ele tem se enchido de dinheiro, notoriedade e oportunidades que a sua mediocridade irremediável jamais lhe daria. Mas não fique achando que esse percurso é moleza. O contorcionismo intelectual necessário para a plena afetação de virtudes inexistentes seria capaz de dar um nó no caráter de qualquer ser humano comum. Mas ele não é comum. Seu caráter elástico e gelatinoso é à prova de nós.
No carnaval, por exemplo. O lacrador de ofício precisa conciliar as novas diretrizes para não expor tanto o corpo feminino, como sinal de empoderamento e não vulgarização – mulher não é cachorra. Ao mesmo tempo é preciso expor o corpo feminino ao máximo para afirmar a liberação dos costumes contra a caretice bolsonarista.
Você está achando que o drama do dilema demagógico (DDD) já está num nível elevado de complexidade, mas a coisa ainda é mais complexa. Afetar liberação dos costumes contra os supostos caretas tem limite – porque é preciso colocar também o sinal vermelho contra o assédio. Mas cantada no carnaval não é normal? Não. Era normal no tempo da sua avó. Agora as moças descoladas devem sair para um bloco de rua de camiseta estampada com o alerta “não” é “não” – de fato uma estética ousada para quem diz estar combatendo os caretas, os pudicos e os reacionários.
Não tente fazer isso em casa. É um contorcionismo arriscado. O coquetel de empoderamento, liberação e controle politicamente correto não é para qualquer um.
Claro que esses seres gelatinosos não trabalham com materiais como bom senso, bom gosto, respeito, liberdade sadia e distinção entre sensualidade e vulgaridade, entre outros códigos inexistentes na cartilha politicamente correta. Eles trabalham com a utopia da estupidez – um universo desértico onde a única chance de salvação está na sua maquininha de regras providenciais e éticas de bolso.
Imagine a vida do sujeito que vende hambúrguer e para surfar na onda moderninha precisa criticar o consumo de carne. O contorcionismo nesse caso chegou a uma tal exuberância que surgiu a picanha sem picanha – deixaram só o cheiro, produzido em laboratório, para manter o interesse do carnívoro dissidente. Bota consciência nisso.
Vender hambúrguer dando lições de vida, ética e civilidade é a apoteose da nova moral vigente. Lugar de ética é na cozinha. Pegue uma panela de carne sem carne, jogue um tempero de conversa para boi dormir, acrescente dois quilos de lero-lero por um mundo melhor, adicione uma colher de filosofia com cheiro de picanha e está pronto para servir o seu lanche revolucionário.
Não adianta ficarem repetindo que quem lacra não lucra. Lucra sim. E muito. Ética só vai voltar a ser ética e hambúrguer só vai voltar a ser hambúrguer no dia em que o distinto público parar de tratar essa legião de farsantes como doutrinadores e propagadores de ideologias “progressistas” – e passar a afirmar em alto e bom som a qualificação que realmente os define: hipócritas. Nenhuma demagogia resiste à exposição do seu ridículo.