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O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, resolveu dizer que “acha” que o projeto do voto auditável não passa na comissão especial. Ele tirou essa profecia da cartola numa live onde estava também Gilmar Mendes, o ministro do STF que faz política diuturna contra o governo federal. Quem dissesse qualquer coisa contra o presidente da República nessa live, direta ou indiretamente, estaria em casa. Você sabe como funciona a resistência cenográfica. E o que o presidente da Câmara estava fazendo nesse videogame?
A proposta de emenda à Constituição que institui o sistema de auditagem das eleições através da impressão dos votos registrados foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça. Seguiu para a comissão especial e, após uma sequência de audiências técnicas sobre as vulnerabilidades do sistema atual e o aumento da segurança com o sistema proposto, formou maioria pela aprovação da emenda. Aí os ministros do STF Luis Roberto Barroso (que preside o Tribunal Superior Eleitoral) e Alexandre de Moraes entraram em campo.
A dupla de representantes do Poder Judiciário reuniu mais de uma dezena de líderes partidários para dizer o que o Poder Legislativo deveria fazer – e deu-se o milagre: os partidos substituíram vários de seus representantes na comissão especial e inverteram a maioria pela reprovação da emenda.
Traduzindo para quem ainda não entendeu: o STF/TSE operaram a comissão da Câmara – e não se sabe qual foi o bisturi usado, só que ele era muito bom. Essa intromissão ostensiva dos emissários do STF na Câmara dos Deputados se deu nas barbas do presidente dessa mesma Câmara dos Deputados – e o que ele tem a dizer sobre isso? Que “acha” que a emenda “não passa” na Comissão...
Tem muita coisa estranha acontecendo, mas essa aí não tem nada de estranho. Se o deputado Arthur Lira não disser que se enganou, ou que não foi isso que quis dizer, ou que desistiu de ser deputado e virou analista político, ou vidente, ele está aliado aos cirurgiões de toga para barrar o aprimoramento da segurança das eleições no Brasil – um anseio de expressiva parcela da população, como ele já deve ter visto por todos os lados. Só não viu se tiver resolvido adotar o modo avestruz de Rodrigo Maia – um burocrata com alergia a povo cuja gestão desastrosa na presidência da Câmara foi criticada pelo próprio Arthur Lira no momento em que o substituiu no cargo. Mas as pessoas mudam. Vamos observar.
O deputado Arthur Lira disse que existe no Senado uma emenda para instituição do voto auditável e que seria melhor discuti-la do que gastar tempo na Câmara. É um distraído. Ele sabe que o projeto em torno do qual o país está mobilizado e cujos proponentes tiveram o expediente de esmiuçar em audiências técnicas está na Câmara. Ele sabe que a liderança, portanto, para levar adiante essa transformação está na Câmara. E disse que é melhor discutir a emenda que está no Senado. Esperteza demais engole o dono – e distração também.
O presidente da Câmara sabe que a comissão especial foi operada e que o país está gritando contra esse escândalo. Sabe que a maioria na comissão pode ser refeita a partir das pressões legítimas da população, que é quem manda no parlamento. E resolveu se antecipar com um “prognóstico” sobre o enterro deste anseio? Qualquer idiota sabe que esse “prognóstico” é tão natural quanto um elefante de asas.
Deputado Arthur Lira, fica aqui uma sugestão de coragem e transparência: deixe de lado essa conversa coreográfica com Gilmar Mendes & cia e assuma sua posição sobre o assunto. Diga que é contra o voto auditável. Diga isso de peito aberto ao povo brasileiro. E explique de viva voz suas razões. Quais são elas? Seja bastante claro nesse ponto. Porque se não for, o senhor irá automaticamente para o lugar da desconfiança com que todos os brasileiros de boa fé hoje veem a movimentação febril, quase desesperada, dos representantes do STF contra essa matéria – sem conseguir explicar por que passaram a se opor quase religiosamente a essa medida de segurança eleitoral.
Não tenha dúvidas, deputado Arthur Lira: todos os que estão nessa trincheira cega contra o voto auditável são hoje, aos olhos dos brasileiros, suspeitos. Até porque os entrincheirados de toga são os mesmos que, em outra manobra de arrepiar, reabilitaram o criminoso Lula da Silva para disputar essa mesma eleição que eles não querem que seja auditada de jeito nenhum. Deu para entender o enredo, não deu?
Ninguém de boa fé e um mínimo de discernimento no Brasil hoje tem dúvidas sobre esse enredo. Ou seja: todo mundo sabe que a democracia brasileira está numa encruzilhada. Escolha o seu lado, Arthur Lira.