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Guilherme Fiuza

Guilherme Fiuza

A revolução cosmética

(Foto: BigStock)

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A Natura elegeu como pai do ano um transexual. A empresa pretende, dessa forma, trazer a mensagem de que está ajudando os transexuais contra o preconceito. Mas ela não está. A Natura está prejudicando os transexuais.

Solidariedade sincera agrega. Solidariedade simulada segrega. Em 1968, São Francisco (Califórnia) explodiu em manifestações pelos direitos dos gays, pela liberdade de cada um para viver em paz suas escolhas, suas normalidades, suas esquisitices, suas peculiaridades para o bem e para o mal. De lá para cá a liberdade individual, sexual e moral teve mais de meio século de conquistas. Não de tolerância, porque tolerância é migalha. Conquistas de reconhecimento.

A Natura faz parte de um surto panfletário que joga isso tudo fora. O business é protestar contra a sociedade careta de meio século atrás. Não cola.

Nos anos 70 o Brasil estava cantando “qualquer maneira de amor vale a pena”. Nos 80, a bissexualidade e a identidade transexual saíam do gueto. Os gays já tinham saído. Estavam todos nas novelas, nos filmes, nas músicas, em cargos de comando. Ninguém dizia que “agora é assim”, ou que era o “novo normal” ou nenhum desses carimbos idiotas. Não tinha essa paranoia aritmética de maioria, minoria, hegemonia. Cada um na sua e ponto final. O processo de libertação era a redução da patrulha (em todas as direções) – o contrário do que acontece agora.

O progressista de laboratório é, na verdade, um reacionário. Ele não quer ajudar ninguém. Quer só colar um adesivo virtuoso na testa. É um calculista, um egoísta, um avarento. Graças a ele, hoje o número de patrulheiros contra a discriminação sexual é provavelmente um milhão de vezes maior do que o número de pessoas que cometem discriminação sexual. O humanista de butique precisa do preconceito. É o seu oxigênio vital.

A campanha da Natura simboliza um surto burguês de compra e venda de consciência e sensibilidade a 1,99. A contracultura nos anos 60 queria combater a sociedade repressiva “chocando a burguesia”. Assim derrubou alguns tabus, e também criou outros, o que não interessa julgar aqui. Meio século depois a burguesia resolveu brincar de chocar a burguesia. É ridículo.

Um ator adotou uma filha negra e no Natal disse que ela tinha medo de Papai Noel branco. Captou a profundidade? Os descolados de almanaque querem “chocar a burguesia” no Natal, no Dia dos Pais ou em qualquer cenário onde eles possam pendurar uma melancia no pescoço e aparecer com sua revolução cosmética. Hipocrisia in Natura.

Não é para ajudar ninguém. É para apontar o dedo para os outros. Onde não houver preconceito, eles inventam. Recentemente perguntaram a um cantor se ele era gay. O artista respondeu que nos anos 70 namorava quem queria e nunca tinha que dar a ficha dos parceiros de cama. O interlocutor insistiu perguntando se o cantor não ia sair do armário. Ele respondeu: “Não posso. Na minha casa só tem closet.”

Parem de patrulhar os outros, seus neuróticos. Parem de carimbar todo mundo com carteirinhas sexuais e raciais. E vão cuidar da vida, porque a embalagem está bonita, só falta botar alguma coisa dentro.

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