Não há novidade alguma na obsessão brasileira pelo fracasso. Você não precisa ler nenhum sociólogo de passeata para constatar o fenômeno. Cada passo à frente corresponde a uns dez para trás – e andar de lado é progresso arrojado. Por uma razão miseravelmente simples: tacar pedra, aqui, é salvo-conduto.
Por que trabalhar dobrado para construir, num lugar onde destruir é muito mais charmoso, além de bem mais fácil? Você está cansado de saber que numa nação infantilizada fazer cara de nojo para governo é sucesso garantido. Arregaçar as mangas pelo bem comum e correr o risco de tomar uma chapa branca na testa? Deixa de ser otário.
Esse componente tão dramático quanto corriqueiro do caráter nacional já deu as caras, sem a menor inibição, inúmeras vezes. Uma das mais impressionantes se deu logo após a eleição de Lula, em 2002.
Desafiado publicamente por Pedro Malan a esclarecer se sua plataforma era a demagogia dos calotes e bravatas contra a elite malvada ou o cumprimento de contratos e a responsabilidade fiscal, Lula se comprometeu com a segunda opção. E cumpriu. Iniciou seu governo com uma equipe econômica de alto nível, chefiada por Antonio Palocci – cuja gestão foi reconhecida por dez entre dez expoentes do setor – e Henrique Meirelles no Banco Central.
Estavam dadas as condições para um novo ciclo virtuoso, depois das crises de energia (doméstica) e da Rússia (internacional) que travaram na virada do século a linha ascendente do Plano Real. Lula era um líder popular mostrando senso de pragmatismo para unir a estruturação econômica e o resgate social – enfim, para unir o país.
E o que fez o país? Fez o que faz sempre: sabotou.
A fritura de Palocci não demorou a começar e vinha de todos os lados (isso te lembra alguma coisa?). Corneteiros e cassandras brotavam no meio empresarial, na imprensa, nas artes, na política – inclusive no PT, o partido governante. Aliás, os tucanos fizeram a mesma coisa com Fernando Henrique e Malan – porque, como já foi dito, aqui fazer cara de nojo para governo é investimento. Mesmo se você estiver no governo.
O Plano Real triunfou apesar dos tucanos – que até o apoiaram majoritariamente na decolagem (covardia não é burrice), mas atrapalharam tanto no nascedouro quanto na sustentação. Malan passou oito anos sendo demitido na imprensa – e adivinha a origem dessas sementinhas? Uma equipe de abnegados executou o maior plano econômico da história enquanto o presidente era chamado todo dia de elitista, neoliberal (o fascista da época) e reacionário por ter se aliado a Antonio Carlos Magalhães, o Toninho Malvadeza. Identificou o padrão?
Voltando a Lula, aquela configuração que prometia unir o país (ahaha) logo virou tiro ao alvo: MST querendo mais grana, PT querendo mais cargo, PSOL nascendo para sua vida gloriosa de virgem do puteiro, tucano querendo o poder de volta, empresário “moderno” querendo dinheiro de graça e fritando o ministro da Fazenda que buscava a modernização. O vice-presidente, que era empresário, atacava dia sim, outro também, a política macroeconômica do seu próprio governo. Crise, teu nome é Brasil.
Segundo vários representantes da intelectualidade nacional, o presidente dos pobres estava vendendo a alma ao diabo. Veríssimo se declarava decepcionado com a adesão de Lula ao superávit primário… (Parece piada, e é, mas aconteceu). O país só se acalmou quando conseguiu interromper essa gestão virtuosa e abrir caminho para o maior assalto da história.
Aí sobreveio uma década de paz. Em meio à roubalheira e à depravação institucional não se viu nem passeata cenográfica pela educação.
Pega daí, caro leitor: boa equipe, chance de reconstrução, cara de nojo, decepção… Só continua chamando isso aqui de nação quem confunde rima com solução.
Nota antropológica: FHC e vários outros que combateram a praga nacional dos falsos virtuosos hoje estão na orquestra da crise. Que lugar está reservado para esses personagens na história do Brasil? Pergunta no Posto Ipiranga.