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Guilherme Fiuza

Guilherme Fiuza

A democracia da conspiração

Lula e Palocci
Guilherme Fiuza escreve sobre o festival de revelações de Palocci no maior escândalo de corrupção da história do Brasil. (Foto: EVARISTO SA / AFP)

Os heróis que anunciam dia sim, outro também, a destruição da democracia no Brasil não ouviram falar da delação de Palocci. Vamos ajudá-los. No festival de revelações do ex-ministro petista sobre o maior escândalo de corrupção da história do Brasil, um dado quase prosaico mostra de forma eloquente o que é destruição da democracia de verdade: na venda de medidas provisórias, o texto da decisão governamental era escrito pelo próprio freguês. Marcelo Odebrecht, por exemplo, cansou de redigir ele mesmo MPs que Lula ou Dilma assinariam, segundo Palocci. E você achava que vender o país às empreiteiras era força de expressão.

Mais grave que isso, só a flagrante desvantagem da delação de Palocci no espaço do noticiário nacional, em comparação com a novela dos vazamentos de conversas roubadas dos integrantes da Lava Jato. Resumindo: as revelações sobre o maior assalto da história interessam menos do que a espionagem contra os que prenderam os assaltantes. Interessam menos a quem?

Pergunta difícil. Mas uma boa pista para a resposta está na mais recente derrota de Lula no TRF4. A defesa do ex-presidente queria o direito de usar as tais mensagens roubadas no processo do sítio de Atibaia – aquele que não é do Lula, assim como o triplex do Guarujá também não era, bem como todas as propinas referentes às medidas provisórias escritas pelos próprios empreiteiros. Caiu tudo nos bolsos de uns amigos do Lula – esses sim, multimilionários graças ao governo popular.

Mesmo assim o TRF4 não autorizou o uso do material hackeado na defesa dessa alma honesta, porque se trata do produto de um crime (o que para Lula não tem o menor problema) – além de não ter utilidade alguma para o processo, porque consiste num amontoado de fofocas sem qualquer interferência na demonstração cabal dos delitos. O que chama a atenção aí – ou deveria chamar – é outra coisa: a impressionante sintonia entre a defesa de Lula e os divulgadores das mensagens roubadas que ele tanto queria usar.

Os divulgadores da novela de vazamentos contra a operação Lava Jato – tratados por aí com pompa como jornalistas investigativos – estavam todos (coincidência!) na cela do Lula, naquela famosa e vexatória sessão de bajulação fantasiada de entrevista. Lula os escolheu a dedo. E escolheu a dedo as mensagens que eles divulgaram para usar em sua defesa. Nessa espiral de coincidências do outro mundo, há uma pergunta não respondida pelo Brasil: quem escolheu a dedo os hackers que invadiram as conversas privadas de agentes públicos – exatamente os agentes que investigaram e condenaram Lula?

Como todo novelista de quinta categoria, eles montaram aquela historinha de que os hackers estavam levando sua vida normalmente, roubando a comunicação privada dos outros sem fazer mal a ninguém, quando tropeçaram nos membros da força-tarefa que prendeu Lula. Os espiões tinham os telefones de todo mundo, menos o do site de fofoca ao qual queriam oferecer o material. Aí eles foram pedir esse telefone à Manuela D’Ávila (!) – e aí você falou para pararem de te chamar de trouxa que você já entendeu a conversa fiada.

Então é isso: militantes fantasiados de jornalistas que estão fazendo campanha ostensiva Lula Livre desde que seu guru foi preso, que estão em campanha ostensiva contra Sergio Moro e contra os adversários do PT, ou seja, que estão em guerra política declarada a favor da quadrilha petista, de repente veem cair do céu no seu colo o material roubado de Moro e dos procuradores que investigaram Lula? Não dá, amiguinhos.

Tudo bem que vocês lidam basicamente com uma legião de otários que está aí tratando vocês como grandes repórteres e cacarejando “sigilo da fonte” e “liberdade de expressão” para encobrir muamba de araponga e armação vagabunda. Mas para quem não quiser entrar nesse teatrinho delinquente o papo é outro. Suspeito só é herói em conto de fadas escrito pelo Marcelo Odebrecht.

Os hackers presos tinham 100 mil reais em espécie. Prezadas autoridades policiais: sigam o dinheiro. Achem o contratante desses auxiliares de picaretagem e peguem de uma vez os picaretas principais – que estão aí, na cara de todo mundo. Democracia de brincadeirinha não serve.

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