— Tá indo aonde?
— Levar meu cachorro pra passear.
— Qual é a raça dele?
— Por quê?
— Por que o quê?
— Por que você perguntou a raça dele?
— Ué, porque não conheço essa raça. Pelo menos não estou identificando.
— Outras raças você identifica mais facilmente?
— É, algumas eu conheço mais…
— Então você privilegia algumas raças em detrimento de outras?
— Não… Não é isso. Por acaso conheço melhor…
— Conheço bem.
— O quê?
— Conheço bem esse texto: “Por acaso”, “nem notei”, etc. A discriminação é sempre uma coisa sutil.
— Que discriminação?! Não tava nem pensando nisso.
— Eu acredito em você.
— Que bom.
— E tenho que te alertar: o preconceito inconsciente é o pior de todos.
— Como assim?
— Você está discriminando sem saber. Já introjetou o preconceito. Fica mais difícil um choque de consciência.
— Você enlouqueceu.
— Não adianta me atacar.
— Não é um ataque. É uma constatação.
— É sempre assim. O propagador do ódio se protege sob um tom suave e um semblante sereno.
— Não estou com ódio. Estou só arrependido.
— Imagino seu arrependimento. Mas ainda está em tempo de mudar.
— Mudar o quê?
— A sua visão de mundo.
— Pode ser que eu mude. Por enquanto estou só arrependido de ter te perguntado a raça do seu cão.
— A tomada de consciência começa assim mesmo. Com questões que parecem sem importância.
— Tudo bem. Bom passeio. Não precisa me dizer a raça do seu cachorro.
— Por que você não quer saber a raça do meu cachorro? Ela é irrelevante pra você? Não vê que isso é uma forma de racismo? Por quais raças você se interessa, então? Só aquelas que você respeita? Não acha que todas as raças deveriam ser igualmente respeitadas? Esse seu julgamento seletivo pode ser a base de uma sociedade intolerante e sectária, você não percebe? Hein? Percebe ou não percebe? Agora vai ficar calado, né? Pois é, meu amigo. A verdade dói. Mas eu escolhi a coragem. A coragem de denunciar. A coragem de jogar o preconceito na cara dos preconceituosos, a coragem de…
— Poodle.
— Hein?! Que Poodle? Meu cachorro não é Poodle!
— Não. Você é um Poodle. Nascido por engano no corpo de um chato.