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Quando o “fique em casa” começava a dar sinais de que era só um slogan e não uma política sanitária, alguns setores da sociedade começaram a se mover para um funcionamento responsável, preservando os vulneráveis. Ainda corria o primeiro semestre de 2020 e o time do Flamengo começou a treinar, ao mesmo tempo em que liderava um entendimento com a federação de futebol do Rio para uma retomada segura da temporada competitiva. Foi um escândalo.
O clube com a maior torcida do país passou a ser acusado de irresponsável, insensível, criminoso, letal. Montou um protocolo rigoroso de segurança sanitária, com testagem permanente de todos os atletas, isolamento dos sintomáticos, tratamento dos eventuais infectados, proteção e distanciamento para o staff. Transmitiu jogos pela internet, levando seu canal a bater o recorde mundial de audiência do YouTube. O técnico português Jorge Jesus, que levara o clube à conquista da Taça Libertadores da América, conhecido por sua postura humanitária, continuava à frente da equipe, aos 66 anos de idade. Ainda assim a patrulha não dava trégua.
Um comentarista esportivo chegou a dizer que ia “morrer muita gente” por causa da retomada do futebol liderada pelo Flamengo. Jogando de portões fechados no Maracanã, o clube foi crucificado por estar atuando próximo a um hospital de campanha. O Botafogo, por exemplo, cuja diretoria se colocou contra a retomada do campeonato (mas jogou assim mesmo) tinha a “atenuante” – segundo os empáticos de ocasião – de jogar no seu estádio, o Engenhão, mais distante do hospital de campanha do Maracanã. Se “fique em casa” era política sanitária, “jogue longe do hospital” também poderia ser. Cada um com a sua noção de solidariedade.
Com um ano de pandemia, a hipocrisia fantasiada de empatia continua firme. Autoridades desvairadas fazem política decretando lockdown e toque de recolher indiscriminadamente, sem qualquer critério que distinga e proteja os vulneráveis – com transportes públicos circulando cheios, “pancadões” na periferia e as próprias autoridades trancadoras fazendo o contrário do que obrigam os outros a fazer. Bruno Covas deixou São Paulo trancada no fim de semana e foi ao Maracanã assistir à final da Taça Libertadores no meio de 2,5 mil pessoas. Ele disse que estava “no seu direito”.
Claro que sim. No momento em que se revoga o bom senso e passa a vigorar o Estado Demagógico de Direito, você pode fazer o que lhe der na telha se meia dúzia de manchetes sustentarem a sua malandragem. Você pode até se divertir com futebol pregando o imobilismo total. Nada é impossível para a alquimia dos hipócritas.
O Flamengo foi o campeão brasileiro. A coragem, a responsabilidade e a vontade de viver foram premiadas. O Botafogo ficou em último lugar no campeonato e caiu para a segunda divisão. Isto não é um juízo sobre clubes – nem sobre o glorioso Botafogo, que se confunde com a história do futebol mundial, nem sobre o Flamengo, que aliás não é o time deste signatário. Isto é só um lembrete de que o troféu dos covardes é, e continuará sendo, fingir empatia para empatar a vida alheia.
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