Lula e Fernando Henrique conversam ao telefone (diálogo na margem de erro do Datafolha):
– Obrigado, Fernando.
– Por quê?
– Por você ter dito que vai votar em mim.
– Eu disse isso?
– Ué, foi o que eu li por aí. Será que era fake news?
– Acho que não. Eu disse mesmo. Quer dizer, não foi bem isso que eu disse.
– Porra, Fernando. Assim você me confunde. Tá comigo ou não tá?
– Não vem com essas perguntas de programa de auditório. O mundo é mais complexo que isso.
– Complexo é coisa de boiola. Ops, desculpe. Não pode mais falar isso. Enfim... Complexo é coisa de fresco.
– Você mudou uma palavra mas manteve o seu preconceito intacto.
– Caceta, Fernando. Como é difícil conversar contigo. Conto ou não conto com o seu voto?
– O voto é secreto.
– Mas você disse publicamente que votaria em mim!
– O que sai na imprensa mais de um ano antes da eleição é uma coisa, o que se faz na solidão da urna é outra.
– Então você falou por falar?!
– Claro que não. Nunca falo por falar.
– Que saco. Na próxima encarnação, em vez de parasita eu vou vir traça. Pra comer todos os seus livros e te salvar desse rebolado intelectual que ninguém entende.
– Você devia ler mais.
– Deus me livre. Pra falar errado que nem você?
– O que eu falei errado?
– Quem fala o que ninguém entende, fala errado.
– Só não me entende quem não lê.
– Se você me despreza por que disse que vai votar em mim?
– Porque, pra um intelectual, pega bem defender uma besta como você.
– Ah, então você confirma que vai votar em mim. Pelo menos isso.
– Se for contra esse presidente aí, sim.
– Obrigado. Você acha que eu sou melhor que ele, né?
– Não. Acho que você é mimado pela imprensa e pela intelectualidade que me deixam bem na foto.
– Faz sentido. Uma mão lava a outra. Se bem que no meu caso, com tudo que eu roubei, é mais provável uma mão sujar a outra.
– Jamais repita isso.
– Ué, parceiro? Quer apoiar ladrão e ficar com a mão limpinha? Tu tem uma biografia ou uma lavanderia?
– Lula, você sempre foi grosseiro. Mas o seu linguajar agora está abaixo da crítica. Assim vai ser difícil continuar a conversa.
– Que isso, Fernando? Só falei o que todo mundo sabe.
– Engano seu. Há um esforço gigantesco unindo jornalistas, professores, juízes e muita gente boa para ressuscitar em você aquela cantilena do proletário perseguido pelas elites e você me vem com essa história de ladrão. Meça suas palavras.
– Tá bom, você tem razão. Não falo mais de assalto. Não está mais aqui quem roubou. Mas o dinheiro não preciso devolver, né? Porque aí já seria demais.
– Vou fingir que não ouvi.
– Combinado. Vou fingir que não roubei. Mas... E se não colar?
– A epistemologia do nexo causal à luz da imanência do ser ou não ser venal refrata uma miríade de representações da coisa em si, do seu simulacro e do seu espectro projetado ao infinito de modo que, a partir do olhar multimodal embotado pelo distanciamento odebrechtiano, tudo cola.
– Você é um gênio, Fernando.
– São seus olhos, Lula.
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