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Guilherme Fiuza

Guilherme Fiuza

Quarentenópolis pede socorro

Fique em casa e cale a boca. Esse é o atual mandamento, que não dá conta da complexidade do problema, mas, ainda assim, é hegemônico e implacável. (Foto: Reprodução/ Twitter)

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Quarentenópolis é uma cidade fictícia no interior do Brasil com estatística igual à de muitas cidades reais: nenhum morto por coronavírus, nenhum caso de coronavírus e tudo parado. Essa situação se repete em diversas regiões do mundo com baixa incidência da epidemia – a maioria seguindo os padrões de confinamento requeridos para o norte da Itália, o norte dos Estados Unidos e demais áreas com explosão de casos. Está correta essa diretriz? Difícil dizer. O que é fácil dizer é que essa questão não está sendo discutida – ao menos publicamente. Por quê?

A FAO – órgão da ONU para alimentação – já emitiu um alerta sobre o risco da escassez de comida no mundo, devido aos bloqueios e paralisações das atividades econômicas e sociais para combater o novo vírus. É uma de muitas projeções tão óbvias quanto dramáticas, que agora começam a sair da especulação para a constatação. Os falsos dilemas plantados por aí entre economia e vida começarão enfim a se derreter diante da realidade: é tudo vida.

A epidemia ainda está longe de acabar e o mundo vai ter que furar o tabu do confinamento total – que não é sustentável, como a FAO acaba de demonstrar. A cada dia em que se mantém a diretriz dominante no planeta sobre o chamado lockdown horizontal, vai sendo gestada a outra tragédia – da fome e da pobreza, que trarão também uma escalada de doenças e mortes. Quem vai comparar as curvas? Quem vai fazer a conta de quando o garrote começa a devastar mais que o vírus?

Parece que ninguém quer fazer essa conta. Fique em casa e cale a boca. Esse é o atual mandamento ético de pé quebrado, que não dá conta da complexidade do problema, mas, ainda assim, é hegemônico e implacável. Discutir os graves dilemas atuais como eles são, no que têm de complexos e desafiadores, é botar a reputação em risco. Você vira um assassino em uma frase.

O convívio social não voltará a se dar como era antes – ao menos em 2020, e talvez além. Mesmo quando houver vacina e tratamento para o coronavírus, e ele já não estiver se espalhando de forma epidêmica, permanecerá a questão de que o contágio é fácil, e o quadro pode se complicar rapidamente entre idosos e vulneráveis. Fora a possibilidade de uma mutação – e a humanidade não vai querer ser pega novamente de calças curtas. O mundo terá de aderir a um novo protocolo sanitário.

O grande enigma é por que esse novo protocolo não está sendo testado agora, nas áreas menos atingidas pelo vírus. Por que não iniciar em Quarentenópolis e adjacências – ou seja, em áreas restritas e pouco infectadas – normas de circulação controlada da população saudável e não-vulnerável? Os padrões de distanciamento pessoal, higiene, não aglomeração, uso de máscaras, isolamento de idosos, etc, são conhecidos e aplicáveis. É difícil treinar e monitorar a população em movimento? Pode ser, mas também é difícil decidir deixá-la morrer em casa, a prazo. Ou pelo menos deveria ser.

O presidente da República já disse que é a favor do chamado isolamento vertical – que permitiria a retomada parcial das atividades da sociedade. Ele tem uma equipe de ministros capacitada e eminentemente técnica. Por que não criar uma força-tarefa para a implantação de experiências-piloto de circulação restrita? Por que não acionar Sergio Moro, Tarcísio Freitas, Rogério Marinho, Damares Alves para compor e operar essa força-tarefa em coordenação com o Ministério da Saúde?

É preciso ultrapassar o estado de imobilização. Quem fizer isso primeiro, de forma engenhosa, será seguido pelo resto do mundo. Não há outro caminho possível.

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