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A laive do Gilmar Mendes com o MST terminou em barraco – o que surpreendeu a todos, pelo nível de educação dos participantes. A confusão, como quase sempre acontece, começou por causa de ciúmes.

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As mesuras iniciais e evocações elogiosas recíprocas às respectivas biografias logo desandaram em grosseria. O problema foi que Stédile resolveu declarar a sua própria gangue como campeã de destruição no Brasil – e isso mexeu com a vaidade de Gilmar. O supremo ministro interrompeu o supremo barraqueiro:

– Data vênia, companheiro, elogio em boca própria é vergonha.

– Cala a boca, senão mando minha milícia ocupar o STF e transformar toga em pano de chão.

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A clareza e objetividade do intelectual campesino até acalmou o debate nesse momento, levando o bravo Gilmar a baixar a bola e dizer “entendo o seu ponto”. Mas era só uma sutil tática de guerra. Esse pessoal do Supremo é muito mais ardiloso do que os heróis do quebra-quebra podem supor.

Quando tudo parecia encaminhado para mais um agradável show de afetações e nulidades no pombal do zoom, veio a estocada cirúrgica e brutal de Gilmar, que deflagrou o banho de sangue:

– Retrocedendo à latente controvérsia sobre hierarquia destrutiva no Brasil, tema insepulto neste debate, com todo respeito a suas excelências deletérias presentes a esta solene conferência de inócua e degenerativa exuberância, gostaria de assinalar que, afiançado por dez entre dez parasitas desta nação, quem soltou o Lula fui eu.

Aí o tempo fechou. A primeira coisa que se viu foi uma cadeira voando. Era o Stédile tentando acertar o Gilmar, esquecendo-se de que estavam na laive e o zoom ainda não transmite cadeiradas, pelo menos não com a eficácia pretendida pelo bom selvagem do MST.

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Mas Gilmar pareceu sentir o golpe, mesmo remoto, porque logo emendou dizendo que não conseguiria soltar o Lula sozinho sem o “extraordinário avanço demagógico de toda a sociedade”... E teve que parar por aí, interrompido aos berros por Stédile:

– “Toda a sociedade” é o c...! Lula livre é uma obra dos movimentos liderados pelo MST! Burocrata de toga não transforma ladrão em revolucionário. Se hoje o Lula é aceito pela burguesia cheirosa depois da quantidade de dinheiro que roubou do povo, isso é mérito nosso. Cada vez que a gente destrói uma lavoura, um laboratório ou um pedágio a sociedade culta se lembra como era bom o tempo em que o Lula nos sustentava com o dinheiro do contribuinte. Não se faz revolução contra o capitalismo de dentro de gabinete!

Essa intervenção do depredador esclarecido foi especialmente dramática devido à imagem mostrada pelo zoom: ele agora estava de pé (após arremessar a cadeira) e havia uma rachadura na sua janelinha do pombal, provavelmente consequência da cadeirada – que era destinada ao Gilmar, mas o computador estava na frente. Salvo pela quarentena.

Usando um desses truques modernos propiciados pelas laives, Gilmar fingiu dar um gole de alguma coisa para ganhar tempo e fazer o oponente achar que estava vencido. Mas quando se preparava para a nova estocada de erudição postiça, viu que tinha perdido o timing. Até então um mero espectador do embate cívico, o presidente da OAB se agigantou na sua janelinha e dominou o pombal.

– Nem MST, nem STF! O nome da impostura nacional é OAB!

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A agressividade do participante que antes parecia tão dócil calou os outros. E não era só bravata: ele tinha o que dizer. Foi disparando logo, sem rodeios, o argumento matador: uma entidade de classe que representa os advogados, portanto os agentes do direito em todo o território nacional, virar puxadinho do partido que protagonizou a maior onda de crimes da história do país não tinha concorrente à altura.

Sobreveio um silêncio de solitária no zoom. A cela do Lula na PF pareceria um show da Anitta perto da paralisia que tomou conta da laive. Dessa vez, Gilmar nem teve forças para a coreografia da caneca.

Mas um encontro de democratas sempre pode reservar belas surpresas – e ela veio de onde menos se esperava. De pé, por trás de sua câmera estilhaçada, o bom selvagem do MST mostrou que nem só de foice se faz um debate civilizado. E roubou a cena – o que não é tão glorioso quanto roubar a economia popular, mas tem seu charme:

– Enquanto ouvia os companheiros estive pensando...

Todos ficaram tensos, conscientes de que certos pensamentos podem ser tão contundentes quanto uma cadeira voadora. Mas dessa vez o raciocínio era outro:

– Proponho deixarmos as diferenças de lado. Por um motivo muito simples. Como disse o companheiro Lula...

– Grande Lula!

– Viva Lula!

– Calem a boca que eu estou falando.

– Desculpe.

– Me empolguei.

– Tudo bem. Como eu ia dizendo: o companheiro Lula disse que “felizmente a natureza criou esse monstro chamado coronavírus” pra bagunçar tudo e fazer todo mundo achar que bom era no tempo em que ele tava no palácio raspando o tacho. Se correr tudo bem, ele volta e aí vai ter pra todo mundo de novo, certo?

– Todo mundo, quem?

– Todo mundo, nós.

– Ah, tá. Bom ponto.

– Faz sentido.

– Proponho então encerrarmos essa laive democrática decidindo que somos igualmente bons.

– Apoiado.

– Pra sempre!

– Menos.

– Até 2022?

– Fechado.