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O ano que vai se encerrando começou sob a sombra de uma quartelada. A ameaça pairava no ar, alimentada pelo silêncio de um ex-presidente que nunca admitiu a derrota e que passou quatro anos a escarnecer o processo eleitoral. Enquanto militantes se concentravam em frente aos quarteis clamando por uma intervenção das Forças Armadas, auxiliares de Jair Bolsonaro se moviam nos bastidores de maneira a buscar uma justificativa legal qualquer que desse ao ato ares de legitimidade.
A delação de Mauro Cid traz detalhes dessa trama. Uma patuscada perigosa, mas condenada ao fracasso. O ato derradeiro e desesperado foi a depredação da sede dos Três Poderes, quando a súcia alimentada pelo conspiracionismo resolveu botar para quebrar. Nunca foi um “passeio no parque”, e sim uma tentativa explícita de impedir o exercício do poder de quem havia tomado posse poucos dias antes.
Vencemos pela força das instituições aqueles que desejavam suplantar o voto pelo militarismo.
É um feito e tanto que o país tenha atravessado tal período de instabilidade institucional para chegar em dezembro com um ato congressual reunindo Legislativo e Executivo na promulgação da tão debatida e adiada Reforma Tributária. Nem os mais otimistas poderiam prever. Uma reforma incompleta e imperfeita, por óbvio. Mas a possível, dadas as circunstâncias. Um texto que não apara todas as arestas e nem pacifica todos os conflitos, mas que também não nos leva ao comunismo. Pelo contrário, ajudou a melhorar a nota do país pelas agências de classificação de risco.
Além dos golpistas, também os catastrofistas perderam. Estes não investiram contra a democracia, mas trataram de espalhar o mau agouro na forma de terra arrasada. Os Beatos Salus do fim do mundo econômico. Lula governaria, mas isso tornaria o país ingovernável economicamente. Como se o paraíso da austeridade fosse o governo que furou não uma, mas seis vezes o teto de gastos, sendo a mais recente na véspera do processo eleitoral.
Na última semana, Roberto Campos Neto, insuspeito de heterodoxia e esquerdismo, tratou de condenar as visões pessimistas. “É difícil falar em 2024 sem pelo menos colocar em perspectiva que as análises econômicas têm errado muito ultimamente. Têm errado o crescimento, têm errado um pouco a inflação, têm errado muito emprego, têm errado os números de crédito”, disse em entrevista para a jornalista Miriam Leitão na Globo News. Ninguém poderá se surpreender se agora passar a ser chamado de tucano ou de qualquer outro rótulo cretino e vigarista que sirva para expurgá-lo.
O que se desenha à frente é desafiador, e o próprio Banco Central ressalta o necessário cuidado que se deverá ter com a meta fiscal. Até mesmo para viabilizar a queda nos juros. A continuidade do crescimento depende de produtividade, não de expansão fiscal induzida pelo Estado, como defendem os áulicos da contabilidade criativa. Uma receita que, prudentemente, o ministro Fernando Haddad tratou de afastar, contrariando as alas mais sectárias do petismo.
Certa vez, Paulo Guedes chegou a dizer que o Brasil poderia se tornar a Argentina em seis meses e a Venezuela e um ano e meio. Falou com aquela ligeireza típica de quem parece deter a verdade universal. Fez a análise com o fígado e não com o cérebro. Longe da Argentina, diminuímos a distância para o grau de investimento. E ainda mais longe da Venezuela, vencemos pela força das instituições aqueles que desejavam suplantar o voto pelo militarismo.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos