A CPMI das Fakes News, que nasceu com o propósito de investigar ataques cibernéticos e a utilização de perfis falsos nas redes sociais, não demorou em se converter num circo de horrores no qual figuras histriônicas do Congresso Nacional se revezam nos microfones protagonizando momentos constrangedores e escancarando o baixo nível e o despreparo que caracterizam parte considerável de nossos deputados e senadores.
O trabalho da comissão é tão pobre e precário, que em um de seus relatórios a Gazeta do Povo apareceu por engano em uma lista de veículos acusados de produzir fake news. Diante do erro brutal, tiveram de divulgar uma nota afirmando que “não existe uma metodologia cientificamente comprovada, que possa ser aceita como suficiente para classificar um ou mais canais de informação como de fake news”.
Se é impreciso classificar um canal de informações como divulgador de “fake news”, como admite a própria CPMI das Fake News, o mesmo não pode ser dito sobre as informações em si? É a velha pergunta: quem define o que é verdade ou o que é mentira? Por certo, deixar isso a critério do Estado é abrir margem perigosa para que se pratique a censura. Ainda mais quando quem se propõe a regulamentar uma questão tão delicada são figuras como alguns desses parlamentares que desconhecem o assunto absolutamente e que parecem movidos mais pelo espirito de calar potenciais críticos do que criar instrumentos para punir efetivamente quem usa a internet para cometer crimes.
E que se diga: é função do Congresso Nacional legislar, mas sempre na observância do debate amplo e da transparência. E isso não aconteceu com o PL 2630/2020, que surge para instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Mas é bom não se deixar levar por nomes pomposos e bonitos como esse, ou podemos achar também que a República Popular Democrática da Coreia é uma democracia constitucional, e não uma ditadura sanguinária que ainda mantém campos de concentração.
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O Senado Federal colocou uma faca na garganta da liberdade de expressão ao aprovar, de forma apressada e irresponsável, um texto repleto de dispositivos abusivos e que representam a construção de um verdadeiro Estado Policial nas redes sociais. Para se ter uma ideia, o projeto não tramitou em comissão e nem realizou audiências públicas. Alias, o relator do monstrengo é o senador Angelo Coronel, que também preside a malfadada e já mencionada CPMI das Fake News.
Dentre as medidas instituídas pela Lei das Fake News está a burocratização do acesso às redes sociais pelas obrigatoriedade de apresentação de comprovante de residência, o que é impossível para os pobres que vivem em áreas não regularizadas. Também concede poder fiscalizatório para que empresas privadas façam a aferição da veracidade dos documentos apresentados pelo internauta, como se isso fosse atribuição delas. Outro dispositivo cria um rastreio de compartilhamento, o que faz com que todo usuário seja continuamente tratando como um suspeito, colocando uma lupa digital em suas movimentações. Na prática, isso avilta qualquer tipo de sigilo salvaguardado pela Constituição.
E claro, como sói ocorrer em legislações desse tipo, temos também a criação de um conselho, que promete cuidar para que todos os parâmetros estabelecidos sejam cumpridos com rigor. É o Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet, que será composto por representantes de órgãos governamentais, poderes da república, empresas de comunicação social, agências reguladoras, corporações policiais e provedores. Uma espécie de tribunal orwelliano das boas maneiras virtuais.
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Urge que a Câmara dos Deputados faça as devidas modificações na lei, de modo que seus excessos regulatórios e sua inequívoca vocação arbitrária sejam removidos. De outra forma, o objetivo correto de se combater a disseminação de fake news será distorcido e dissimulado, criando um entulho burocrático e autoritário cerceador de opiniões e destruidor de liberdades individuais.