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É de Samuel P. Hungtinton a melhor teoria política sobre o papel das Forças Armadas nas democracias ocidentais. Segundo o filósofo conservador americano, militares não contam votos, não participam da vida político-partidária, não opinam sobre os rumos do país, muito menos tutelam a vida nacional como uma sombra a pairar sobre tanques. Protegem as fronteiras, guardam a integridade do território e da população, defendem os poderes constituídos e obedecem a Constituição. Hungtinton estabeleceu essa linha de corte para advogar em favor da maximização do controle civil.

A ideia de Forças Armadas atuantes como poder moderador é apenas uma perversão autoritária que ganhou escopo difundida durante o governo de Jair Bolsonaro. O ex-presidente contribuiu para criar tal percepção dando a quadros da corporação cargos e posições políticas dentro da estrutura de Estado. Mas não apenas isso. Em mais de uma ocasião ele mesmo as tratou como detentoras de uma atribuição que jamais tiveram, incluindo o crivo sobre a segurança do processo eleitoral.

A ideia de Forças Armadas atuantes como poder moderador é apenas uma perversão autoritária que ganhou escopo difundida durante o governo de Jair Bolsonaro.

Muitos oficiais estrelados passaram achar que lhes cabia, se não a palavra final sobre a legitimidade do resultado da eleição e posse de um novo governo, ao menos uma autoridade paralela de maneira a emparedar quem tomasse posse. E foi assim que chegamos à troca do comando do Exército ocorrida no final de semana.

A demissão do general Júlio César de Arruda é resultante de uma crescente desconfiança do novo presidente em relação à atuação da corporação antes, durante e, principalmente, depois dos atos antidemocráticos que culminaram na depredação da sede dos Três Poderes.

Arruda parecia criar empecilhos para que o acampamento na frente do quartel-general do Exército em Brasília fosse desmanchado. Foi pouco prestativo na punição de militares envolvidos nos ataques. Também se envolveu em uma dura discussão com Flávio Dino, ministro da Justiça, sobre a prisão dos militantes envolvidos nos atos do dia 8. A gota final foi sua recusa em cumprir a ordem de Lula para que o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de Bolsonaro, fosse designado para uma unidade das Operações Especiais. Com isso, o clima que já era difícil se tornou insustentável.

Lula atuou para restabelecer a hierarquia e conter a insubordinação. No lugar de Arruda colocou o general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, que estava à frente do Comando Militar do Sudeste. Essa semana, o novo responsável pelo Exército viralizou com um discurso no Quartel-General Integrado, em São Paulo. Falando para a tropa, conclamou seus subordinados a respeitarem o resultado das urnas e lembrar que sua instituição é do Estado.

É bem provável o general Paiva tenha lido Hungtinton, ou ao menos não o despreze. Mas isso é o de menos. O que importa é que sua manifestação altiva em favor dos marcos da democracia representa a oxigenação na conduta dos altos oficiais das Forças Armadas. Que ele sinalize positivamente em favor de suas reais funções, atue para depurar quadros transgressores, e, principalmente, conscientize seus comandados que, no momento, a grande missão patriótica dos militares é voltar para a caserna.

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