Jair Bolsonaro foi o último líder ocidental a se encontrar com Vladimir Putin antes que uma chuva de misses fosse disparada contra a Ucrânia. Naquele momento, o mundo já estava cercado de dúvidas sobre as movimentações do Kremlin. Havia especulação sobre a maciça presença de tropas na fronteira com as regiões e Donetsk e Lugansk, e a expectativa de uma invasão que o Departamento de Estado Americano dizia ser iminente, como veio a se confirmar. O alheamento de nossa delegação, fruto de um amadorismo desconcertante, fez o Ministro Gilson Machado, aquele da sanfona do apocalipse, especular até mesmo sobre a intenção dos russos em visitar Pirenópolis. Mas o que Putin e seus lacaios queriam, e nossa diplomacia foi incapaz de perceber, era ir para Kiev mudar o mapa da Europa.

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“A leitura que tenho do presidente Putin é que ele é uma pessoa que busca a paz”, disse o presidente brasileiro em uma coletiva de imprensa ainda em Moscou. Poucas horas antes, havia manifestado também solidariedade à Rússia, apesar de nada de ruim ter acontecido com o país. O conjunto de declarações desastradas serviu para diminuir ainda mais o prestígio do Brasil no cenário internacional. Na Casa Branca, a porta-voz do governo americano Jen Psaki chegou questionar se o Brasil estava no lado oposto dos valores defendidos pela comunidade global. Apesar dos memes messiânicos dos bolsonaristas e da suposta agenda de interesse econômico, o fato é que apenas a Rússia faturou com a visita, uma vez que Putin pode usar a imagem de um país que exerce liderança regional para tentar mostrar que não estava isolado.

Apenas um ignorante em história como Bolsonaro poderia fazer uma leitura tão canhestra, rasa, primária e infantil de Putin. Formado pela inteligência soviética, trata-se de um líder político com mentalidade de agente de espionagem e contrainformação. Sua sanha expansionista remonta de muitos anos. O ataque criminoso à Ucrânia foi precedido de uma guerra na Geórgia, em 2008, e outra na Criméia, em 2014. Não é um homem “que busca a paz”, e sim um homem que busca a expansão geográfica da Federação Russa, que ele vê como uma atualização do império Czarista. É um delírio perigoso e que representa uma ameaça real às democracias ocidentais.

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O convite para o presidente brasileiro visitar a Rússia foi feito ainda no final de 2021, é verdade. Seria difícil cancelá-lo, mesmo com a possibilidade de um conflito. A missão, entretanto, poderia ter aproveitado o ensejo e reafirmar o compromisso histórico de nossa diplomacia com a paz e a autodeterminação dos povos. Bolsonaro mencionou paz apenas de passagem. Nada digno de nota. Ao invés disso, a imagem que fica é a dele usando botinas enquanto falava em “casamento perfeito” com a Rússia.

Em sua sanha imperialista, Putin fez ouvidos moucos aos apelos em nome da solução diplomática. Ordenou uma operação militar usando justificativas fantasiosas e mistificadoras. Violou as leis internacionais e as fronteiras da Ucrânia, que, um dia antes, havia deslegitimado como nação. Os mortos de seu crime de guerra já estão sendo contabilizados, e a escala do conflito ainda não pode ser medida.

Apesar de as potencias ocidentais não terem tomado ações na medida da gravidade da ação russa, o fato é que ao menos a condenação veio de forma enfática e quase em uníssono. O Itamaraty, entretanto, soltou uma nota anódina, incapaz de censurar objetivamente a agressão injustificável a um país soberano e democrático. Destoando da permissividade oficial, Hamilton Mourão foi claro e duro, comparado o contexto atual com o da Alemanha dos anos 30 e 40. Na sua única manifestação sobre a situação, Bolsonaro desautorizou seu vice-presidente, a quem nem mesmo nomeou.  Foi mais duro com ele do que com Putin. Com isso, o que era uma presepada diplomática vai se convertendo em cumplicidade moral.