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Guilherme Macalossi

Guilherme Macalossi

Opinião

A posição de Lula sobre a ditadura da Nicarágua é uma escolha moral

“Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania aonde quer que ela desgrace homens e nações. Principalmente na América Latina.”, disse Doutor Ulysses Guimarães na sessão de promulgação da Constituição Federal de 1988. O texto que tinha em mãos representava o rompimento jurídico da ditadura militar e o reestabelecimento do regime de liberdades plenas, interrompido no Brasil desde a década de 60. Em um discurso histórico, ele resumiu como se portam os verdadeiros democratas: não tergiversam ante o arbítrio e o autoritarismo, não se coadunando com quem trilha, e aqui uso palavras suas, “o caminho maldito” mandando os “patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério”.

No poder desde 2007, o esquerdista Daniel Ortega chegou ao comando da Nicarágua com o objetivo de ali se eternizar. Implementou uma agenda de desconstrução das instituições e tratou de mudar a lei para que pudesse se reeleger por tempo indefinido. Fez do Legislativo e do Judiciário apêndices do Executivo, que manda e desmanda com autoridade suprema. Não há mais Estado Democrático e de Direito, exercício da crítica ou alternância de poder.

O sufrágio universal na Nicarágua é uma fraude desde a raiz, uma vez que o Conselho Supremo Eleitoral, órgão que regula os pleitos, é um aparelho a serviço do sandinismo. A última eleição foi eivada de denúncias de irregularidades. Segundo a organização independente Urnas Abiertas, a abstenção no país superou 81%, contrariando a informação oficial de que 65% do eleitorado havia comparecido. Em nota oficial, o governo americano, por meio do presidente Joe Biden, acusou Ortega de organizar uma “eleição de pantomima”.

Nos últimos meses o país enfrenta uma nova onda de repressão. Desde maio, 40 líderes oposicionistas foram presos, dentre eles 7 possíveis candidatos à presidente. A escalada autoritária levou o Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos a aprovar uma resolução que “condena inequivocamente a prisão, perseguição e restrições arbitrárias impostas aos candidatos presidenciais, partidos políticos e meios de comunicação independentes que pediram libertação imediata dos candidatos presidenciais e de todos os presos políticos.”

Diante desse ataque violento aos direitos humanos fundamentais, o que se espera é o repúdio uníssono de todos aqueles que se dizem democratas. Mas há quem, diante de uma situação dessas, revele sua verdadeira natureza. É o caso de Lula, que tratou de relativizar tudo, colocando Ortega no mesmo patamar da chanceler alemã Angela Merkel.

Em entrevista ao jornal El País, o líder petista e companheiro de Ortega no Foro de São Paulo questionou “porque a Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder e o Daniel Ortega não?”. Não é o caso aqui de lhe explicar a diferença fundamental entre regime parlamentarista e regime presidencialista. Lula sabe muito bem qual é. Ele não cometeu meramente um “vacilo” ou um “erro de avaliação”, como alguns tentam fazer parecer. Trata-se, isso sim, de uma escolha moral objetiva.

Quem elege o tipo de regime de exceção que condena também já anuncia os que tolera ou consente. E não, não é a primeira vez que o ex-presidente brasileiro minimiza ações de ditadores que tem como aliados ou, até mais grave, como amigos. Estamos a falar, afinal, daquele que, quando ocupante do Palácio do Planalto, recebeu de braços abertos o antissemita iraniano Mahmoud Ahmadinejad. Se Doutor Ulysses amaldiçoava a tirania “aonde quer que ela desgrace homens e nações”, Lula passa pano para ela, desde que alinhada com sua ideologia e visão de mundo.

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