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Guilherme Macalossi

Guilherme Macalossi

Opinião

A seita antivacina albergada pelo bolsonarismo ganha uma madrinha: Carla Zambelli

Sabem o Zé Gotinha, o personagem símbolo das campanhas de vacinação? Pois é. Agora o Zé Gotinha tem uma antítese: a deputada Carla Zambelli . Esta semana, junto com o também deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança, ela protocolou o projeto de lei O PL 4966/2020, que visa impedir a imunização obrigatória no Brasil. Com isso se torna a madrinha oficial do movimento antivacina, seita obscurantista que cresce nas rebarbas do bolsonarismo delirante. Carla Antigotinha está preocupada com a liberdade individual. Para ela, Oswaldo Cruz era uma espécie de Stalin com estetoscópio.

Em meio a cinco milhões de infectados e mais de 150 mil mortos vítimas da pandemia de covid-19, esta senhora quer promover uma revolta da vacina, só que agora desde a tribuna da Câmara dos Deputados. Sua propositura parte de mistificações aberrantes sobre como se dá o processo de validação e distribuição das vacinas para o público.

Carla Zambelli x vacina

Consta na justificativa do projeto que "ao contrário do que pretende implementar o governador João Doria Jr. no estado de São Paulo em relação à vacina contra o novo coronavírus, nenhuma autoridade pública, de qualquer nível do Poder Executivo, seja em âmbito federal, estadual ou municipal, deve deter o poder de obrigar os cidadãos a se submeterem a tratamentos médicos que coloquem em risco suas vidas e/ou não tenham eficácia comprovada".

Bem, dizer o que? Zambelli, em parceria com o descendente da Casa Real, acusa o governador de São Paulo de querer obrigar a população a tomar vacina sem eficácia comprovada. É uma falsificação rasteira, pueril, uma mentirada da grossa. As vacinas em desenvolvimento, afinal, se encontram em fase de testagem. Elas estão no caminho de terem sua eficácia comprovada. Ou não. A obrigatoriedade da aplicação, defendida por João Doria, não se dá agora, quando ainda não temos a vacina, e sim quando tivermos uma que esteja em conformidade com os requisitos científicos e dentro dos parâmetros estabelecidos pela legislação sanitária brasileira.

Para esclarecer o que os parlamentares bolsonaristas pretendem confundir, é necessário recorrer ao que é estabelecido pela Anvisa como exigência para aprovação de vacinas.

Primeiro é preciso passar pelos estudos clínicos de fase I, II e III, que são previamente autorizados pela Anvisa. Para tanto, o protocolo legal é que a empresa responsável pela pesquisa “deve submeter à Agência o Dossiê de Desenvolvimento Clínico de Medicamentos (DDCM), que traz informações detalhadas sobre o medicamento e sobre o estudo”.

Para fazer o exame desses dados, foi instituído o “Comitê de Avaliação de Estudos Clínicos, Registro e Pós-Registro de Medicamentos para prevenção da Covid-19”, responsável também pela validação de vacinas.

O registro do produto se dá mediante uma série de normativas presentes na Resolução da Diretoria Colegiada 55/2010, que dispõe sobre produtos biológicos. Segundo o site da Anvisa, a desenvolvedora precisa então “apresentar documentos como Certificação de Boas Práticas de Fabricação (CBPF), Autorização de Funcionamento (AFE), justificativa para o registro, plano de farmacovigilância e informações gerais sobre o produto, a empresa deve entregar relatório com dados sobre as matérias-primas utilizadas na vacina, como a descrição das cepas, sua origem, identificação, processos de obtenção ou construção, entre diversos outros dados”.

É só por esse caminho que uma vacina é aprovada. Não existe a menor possibilidade de algo sem eficácia ser disponibilizado para a população, como alegam Carla Zambelli e Orleans e Bragança.  Além de mentiroso, o projeto deles é enfadonho. Medicamentos sem eficácia já são proibidos.

O que pode haver, isso sim, é, em caso de emergência de saúde pública, a determinação compulsória de vacinação ou tratamentos médicos específicos, sempre observando os parâmetros técnicos e de certificação. A eventual obrigatoriedade do uso de um remédio comprovado cientificamente já tem embasamento legal, dado pela Lei N° 13.979 de fevereiro de 2020, sancionada não por João Dória, mas por Jair Bolsonaro. Isso mesmo. O presidente, que adora reafirmar sua autoridade, parece esquecer o que assinou no inicio do ano.

Ainda sobre a justificativa do referida PL antivacina, há um trecho de pura mendacidade no qual é dito que o desenvolvimento das vacinas contra o coronavírus é “tão célere que carece do rigor científico exigido para tal finalidade e, assim, apresentam as vacinas sérios riscos à vida e à saúde dos cidadãos”. Desde quando celeridade é sinônimo de desleixo e de descaso? Carla Zambelli e Orleans e Bragança, que não entendem absolutamente nada do processo técnico no desenvolvimento de vacinas, apontam falta de rigor científico sem mostrar o que de fato consubstancia essa afirmativa. Como eles acham que está indo muito rápido, concluem que não há segurança. É a típica presunção dos ignorantes e dos irresponsáveis.

Os deputados bolsonaristas atuam como linha de frente de um uma onda regressivista de mentalidade pré-cambriana que encontra no presidente da República seu principal polo irradiador. No Facebook, Bolsonaro postou que o povo brasileiro “não será cobaia de ninguém”. A indignidade do mandatário se traveste de preocupação com a saúde, como se as vacinas fossem um perigo igual ou maior do que a doença em si. Por trás delas estariam interesses secretos de controle político e social dos quais o governador de São Paulo seria um peão. Eis aí o conspiracionismo perigoso que espalha o medo pela sociedade e coloca a vida do cidadão em perigo. Cada antivacina, ou antigotinha, seja no parlamento, na presidência ou nas catacumbas das redes sociais, adota a postura de um agente da morte.

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