Não demorou três meses para que Jair Bolsonaro se visse obrigado a trocar a retórica difamatória e beligerante contras as vacinas por uma postura que, ao menos para setores do mercado, tenta parecer minimamente equilibrada. De repente a Coronavac, aquela que era chamada de “vachina”, e que não seria comprada, agora virou a “vacina do Brasil”, sendo incorporada definitivamente ao repertório de slogans patrióticos do atual governo.

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No último dia 26, Bolsonaro participou do evento “Latin American Investment”, organizado pelo Credit Suisse. Lendo, ressaltou a importância da vacinação como forma de trazer conforto ao povo e garantir o funcionamento da economia brasileira. Na prática isso representou sua capitulação. Falar para uma plateia de investidores endinheirados, afinal de contas, é bem diferente de falar para aqueles tios e tias estranhos que se amontoam na frente ao Palácio da Alvorada em busca de selfies.

Ainda assim, o presidente não deixou de espalhar uma de suas típicas vigarices: afirmou que o Brasil é o 6° país que mais vacinou no mundo. Segundo o site Our World in Data, vinculado a Universidade de Oxford, estamos apenas em 49° lugar na lista entre os que vacinaram o maior percentual da população. Já em números totais, ocupamos o 17° lugar.

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Talvez estivéssemos em melhor colocação no ranking da imunização se lá em dezembro o governo não tivesse desprezado as vacinas da Pfizer, que nos foram oferecidas inclusive sob alertas do CEO da farmacêutica para a necessidade de celeridade na aquisição das vacinas “devido à alta demanda de outros países e ao número limitado de doses em 2020". Ao invés de comprá-las, o governo preferiu tratar a questão como jogada de “marketing, branding e growth para a produtora de vacina”, uma vez que a quantidade ofertada era considerada pequena e poderia causar “frustração em todos os brasileiros”. Podendo ter poucas doses ainda ano passado, foi feita opção por termos dose nenhuma.

O caso Pfizer, alias, escancara a conduta desastrosa do governo Bolsonaro em relação às vacinas em geral. Além de não ter adquirido o imunizante americano com antecedência, também não estabeleceu acordos com a Moderna, com a Johnson & Johnson, com a Sputnik, e promoveu um verdadeiro boicote contra a Coronavac, do Instituto Butantan. Apostou todas as fichas na vacina de Oxford, que, apesar de bem sucedida, é insuficiente para uma abrangência nacional.

Na última semana, os ministros Ernesto Araújo e Eduardo Pazuello empreenderam esforços para parecerem efetivos na busca dos insumos da Coronavac que estavam estocados na China. Após a liberação, Bolsonaro chegou a postar em suas redes uma mensagem agradecendo a “sensibilidade do governo chinês” e o trabalho de sua equipe de ministros.

Apesar da tentativa do presidente de se apropriar politicamente da liberação dos 5.400 litros do Ingrediente Farmacêutico Ativo, necessários para produzir a vacina, toda a negociação foi feita pelo Instituto Butantan, pelo governo do Estado de São Paulo e contou com a participação do ex-presidente Michel Temer. A presença do embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, no evento junto com o governador João Doria apenas reforçou isso.

Se dependesse de Bolsonaro ainda não teríamos vacinado nenhum brasileiro. Em dezembro, Eduardo Pazuello fazia projeções de que a imunização só começaria por aqui no final de fevereiro ou início de março. Também projetou que a Anvisa demoraria até 60 dias para aprovar o uso de uma vacina. Além disso, o Ministério da Saúde foi incapaz de organizar um plano de vacinação consistente e adquirir seringas e agulhas suficientes para abranger o conjunto da população.

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Pressionado por uma ação objetiva contra a pandemia que não somente a feitiçaria do farsesco tratamento precoce, agora o Ministério da Saúde corre para dar respostas. A realidade se impôs, e com ela a única solução tanto para o problema sanitário quanto para o problema econômico: a imunização em massa. Todo o falatório conspiratório do mandatário, replicado incessantemente pela militância fanatizada nas redes sociais, teve de ser trocando por uma linguagem mais diplomática. Agora o berrante manda até mesmo paparicar o regime chinês.