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Jean Wyllys sempre foi um ego em busca de relevância. De volta ao Brasil depois de ficar os últimos anos morando na Espanha alegando ter se autoexilado por conta de ameaças que vinha sofrendo, ele parece buscar se reposicionar na cena política após abandonar o mandato de deputado federal em 2019. Foi recepcionado por Lula e Janja no Palácio do Planalto. Em um vídeo publicado em suas redes sociais, a primeira-dama chegou a escrever em tom efusivo: "Dia de dar um abraço apertado no nosso Jean Wyllys e dizer, pessoalmente, como é bom tê-lo de volta. O Brasil é seu!”. As imagens vieram acompanhadas da especulação de que seria nomeado para um cargo na Secretaria de Comunicação Social (Secom). Isso, pelo menos, até ofender gratuitamente Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul.
Na semana passada, o governo federal decidiu encerrar o programa das escolas cívico-militares. Muitos governadores, por outro lado, se manifestaram pela continuidade dessa política em seus respectivos estados. Leite foi um deles. E isso bastou para que Wyllys disparasse contra ele suas boçalidades. Usou o Twitter para postar uma mensagem vil, asquerosa e escandalosamente homofóbica. “Que governadores héteros de direita e extrema-direita fizessem isso já era esperado. Mas de um gay... ? Se bem que gays com homofobia internalizada em geral desenvolvem libido e fetiches em relação ao autoritarismo e aos uniformes; se for branco e rico então... Tá feio, bee!”.
Wyllys não é um promotor da tolerância, ele é apenas um arruaceiro intelectual. Um radical de esquerda que não passa de cabo eleitoral.
Leite respondeu de imediato, e depois anunciou que processaria o ex-deputado no âmbito criminal. “Quando Jean Wyllys dispara ataques a uma decisão que tomei como governador, que ele pode não concordar, pode ter outra visão, mas tentar associar essa decisão à minha orientação sexual e até a preferências sexuais, devo entrar com uma representação. Fiz essa representação para que seja apurada essa conduta, essa manifestação e tenha todos os desdobramentos. (…) Não interessa se é da direita ou da esquerda, o que importa é que homofobia, preconceito e discriminação não podem ser tolerados”.
Wyllys é um radical de esquerda. Tem uma visão de mundo sectária, típica da cultura progressista woke que tomou de assalto o debate público ocidental. Para ele, é impossível que um gay tenha outro tipo de concepção que não seja exatamente a mesma de seus próprios prismas. No caldo do extremismo identitarista, não há espaço para pensamento individual. As ditas minorias, as quais ele e outros dizem representar, são tomadas como categorias essencialmente políticas. Verdadeiros feudos dogmáticos.
No caldo do extremismo identitarista, não há espaço para pensamento individual.
A partir de concepções pré-moldadas pelo academicismo de esquerda, identitaristas como Wyllys estabelecem padrões de conduta e passam então a policiar o comportamento e o pensamento daqueles que são descritos como pertencentes a esses grupos. Tolhem o senso crítico e intimidam aqueles que, eventualmente, se insurgem. Os divergentes são tratados como inimigos, representantes domesticados da sociedade patriarcal e consumista identificada como responsável por um infinito número de opressões. É um modus operandi autoritário e intolerante e, este sim, opressivo.
Em O progressista de ontem e do amanhã, o cientista político e historiador social Mark Lilla descreve como a militância identitarista, nascida a partir do governo de Ronald Reagan, corroeu o tecido social americano e apartou a esquerda do cidadão comum. Logo no início da obra, Lilla, numa autocrítica corajosa, afirma que o progressismo passou a ser visto como “uma doutrina professada basicamente pelas elites urbanas instruídas, sem contato com o resto do país, que veem os problemas atuais sobretudo pelas lentes da identidade... que dissipam em vez de concentrar as energias do que resta da esquerda”. Segundo Lilla, o efeito disso foi a resposta, pela direita, na forma do populismo conservador.
Em boa medida, Wyllys é a expressão desse fenômeno político aqui no Brasil. Ele e outros que atuam nos mesmos parâmetros também empurraram parte do eleitorado não esquerdista para o extremo do espectro ideológico. O contexto de sua volta ao Brasil prova que ele continua a gerar esse tipo de movimento. Poucas pessoas, aliás, deram tantos votos a Jair Bolsonaro quanto ele. Por via inversa, é claro.
A dimensão e repercussão dos ataques feitos Wyllys a Leite obrigaram o governo a negar que ele seria indicado para a Secom. Na última quinta-feira (20), em entrevista ao portal G1, o ministro Paulo Pimenta afirmou que “nunca houve promessa” de Lula a Wyllys de que ele teria um cargo e que “não há nada no horizonte” em relação a isso.
É claro que o episódio evidenciou a completa incompatibilidade do sujeito com uma função institucional. O governo contrataria um problema permanente, um causador de crises e constrangimentos políticos. Wyllys não é um promotor da tolerância, ele é apenas um arruaceiro intelectual. Um radical de esquerda que não passa de cabo eleitoral involuntário do extremismo político de direita.