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Roberto Campos Neto fez uma entrevista de gala no Roda Viva. Havia, e estava entre eles, aqueles que se questionavam se era prudente, em meio ao fogo cerrado do lulopetismo, que o presidente do Banco Central se submetesse a uma entrevista de duas horas em rede nacional. Cada palavra sua, afinal, seria devidamente prescrutada pelos agentes do governo de maneira a servir de combustível para o processo de fritura a que estava sendo submetido pelo Palácio do Planalto.
Dado a poucas manifestações públicas e de perfil discreto, Campos Neto poderia ser traído por uma frase mal colocada ou uma informação não de todo precisa, e era exatamente isso o que seus inimigos políticos desejavam. Não aconteceu. Felizmente.
O ataque coordenado de petistas ao presidente do Banco Central não tem qualquer critério técnico.
Ainda que não tenha a verve contagiante de seu avô, Campos Neto foi bem-sucedido nas respostas e esclarecimentos, deixando evidente que acusar o Banco Central independente de cumplicidade com o governo Bolsonaro não passa de picaretagem intelectual. O ponto central de sua argumentação se evidencia em um fato incontestável: a curva de juros cresceu ao final do último governo, e não no atual, como certas estridências esquerdistas fazem parecer. Se tivesse essa relação promíscua e esse compromisso político com o ex-presidente, a conduta do presidente do BC seria outra: reduzir juros para manter a economia artificialmente aquecida. Que foi o que o governo Dilma promoveu, o que nos levou ao cadafalso.
Os alertas feitos pelo Comitê de Política Monetária (Copom) ao governo Lula no início do mês de fevereiro feriram certas suscetibilidades dos novos donos do poder. O tom crítico da instituição sobre a meta de inflação, as limitações do pacote fiscal de Fernando Haddad e a sinalização de que os juros poderiam se manter elevados por maior espaço de tempo se converteram no pretexto ideal para que o lulopetismo, que nunca tolerou a independência do Banco Central, partisse para o ataque. Como se o órgão assinalasse tais pontos a serviço de uma orquestração política qualquer.
Em sua última coluna na Folha de São Paulo, o economista Alexandre Schwartsman, que já foi diretor do Banco Central, evidenciou as ocasiões em que a instituição fez críticas à política econômica do governo anterior. Alias, a imprensa sempre deu ampla cobertura a tais documentos. Ainda em setembro de 2022, no jornal O Globo, o jornalista Alvaro Gribel analisou a ata do Copom que questionava a capacidade de Bolsonaro em frear a inflação e também as possíveis consequências negativas da PEC dos Combustíveis. Tal criticismo jamais foi alvo de apontamentos de Lula, Gleisi Hoffmann e quejandos.
O ataque coordenado de petistas ao presidente do Banco Central não tem qualquer critério técnico, ainda que a discussão sobre taxa de juros no Brasil esteja longe de simbolizar uma distinção entre direita e esquerda. É uma operação política, daquelas típicas empreendidas pelo PT para abrir caminho aos seus, fazendo a demonização de adversários. Mais ou menos como tentaram fazer com Ilan Goldfajn, quando este sofreu uma tentativa de boicote mal-ajambrada por Guido Mantega, que visava impedir sua posse como presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento.
O saldo da discussão veio pelo anúncio do governo de antecipar para março a apresentação do tão falado "novo arcabouço fiscal". É a confissão indireta de que não haverá queda de juros no grito e na demagogia, como alguns gostariam.
No Roda Viva, Campos Neto foi ao ponto ao definir a importância de um BC independente. Segundo ele a principal razão é "desconectar o ciclo da política monetária do ciclo político porque eles têm planos e interesses diferentes". Em outras palavras: o Banco Central não é nem nunca foi bolsonarista, tampouco está sob as ordens de Lula.