Como se não tivesse um país para administrar e uma pandemia para enfrentar, Bolsonaro tirou férias ao fim de 2020. Se mandou para São Francisco do Sul, em Santa Catarina. Dentre suas atividades de lazer, andou de moto pela cidade e foi pescar de lancha com o apresentador Ratinho, que o chamou de “gente como a gente”. Depois disso, passou a virada de ano no Guarujá, em São Paulo. Por lá, aproveitou para passear de barco na beira da praia, inclusive se atirando na água junto com seguranças, para deleite dos militantes travestidos de banhistas que o receberam aos gritos de “mito”.
Enquanto o presidente exercitava o populismo rastaquera em um comício aquático, o Brasil via outros países começarem suas campanhas de imunização em massa. Até aqui, são 50 nações com mais de 15 milhões de pessoas vacinadas. Nenhuma delas no Brasil. Apesar de a CoronaVac ter mostrado alto de grau de eficácia (78%), e o governo de São Paulo ter estabelecido a data de 25 de janeiro para inicio da vacinação, o impasse está dado. Não há muita certeza de nada, principalmente em outros Estados. E isso porque, ao longo dos últimos meses, o governo Bolsonaro se omitiu de qualquer papel no combate à pandemia. Não teve a capacidade nem mesmo de buscar seringas e outros insumos básicos, deixando tudo para última hora. As ações tomadas nas últimas semanas foram mais por pressão social em institucional de fora do que por iniciativa própria ou convicção.
Tamanha é a incapacidade do governo em saber o que vai fazer que o Ministro da Saúde, o General Pazuello, já chegou a dizer que a vacinação poderia começar em março, em dezembro, em janeiro e em fevereiro. O próprio Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação é um mistério. Faltam informações sobre a infraestrutura necessária, a logística de como as diversas vacinas compradas serão distribuídas, bem como um cronograma geral para tudo isso. As coletivas se sucedem e as informações contraditórias se acumulam.
Se na área sanitária reina o caos, nada muito diferente ocorre com a agenda econômica, que se encontra paralisada no Congresso Nacional. Ainda não se chegou a um consenso sobre o orçamento para 2021, a PEC Emergencial tampouco foi votada, as Reformas Tributária e Administrativa estão pegando poeira e o Auxílio Emergencial, que ajudou uma parte expressiva da população a sobreviver ao longo do ano passado, acabou sem que se encontrasse algo para substituí-lo. Paulo Guedes continua vendendo suas ilusões privatizantes, mas não elabora nada, nem entrega projetos que possam ser apreciados pelos parlamentares.
Um dia depois de voltar de suas férias, Bolsonaro apareceu para reclamar dos problemas. Diante de seus apoiadores, afirmou que “o Brasil está quebrado”, e que “não consegue fazer nada”. Como de praxe, responsabilizou a mídia “sem caráter” de “potencializar o vírus”. É a velha tática de vitimização e de escolha de inimigos que serve para acobertar a incompetência. Bolsonaro estaria sendo boicotado por aqueles que teriam interesses escusos e que quebraram o país ao inventarem um vírus. Há quem engula esse tipo de retórica farsante como pílulas de cloroquina.
A admissão de incapacidade feita por Bolsonaro lança sombra sobre o futuro imediato do país. Os investidores que buscam mercados seguros tendem a fugir de lugares instáveis ou de alto risco. Pode não parecer, mas uma fala dessas saindo da boca do presidente pode representar perdas reais em termos de recursos estrangeiros. Tanto é assim que, em entrevista para a CNN, o Secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, se apressou em esclarecer que o país não está quebrado, e sim que a situação fiscal é delicada.
Ao longo de 30 anos de Congresso Nacional, Bolsonaro foi de uma improdutividade assombrosa. Ele apenas repete o desempenho como presidente. Os principais feitos durante seu mandato (a Reforma da Previdência e o Auxílio Emergencial) se devem ao Congresso Nacional. Já a vacina, que é a solução para a economia e para a saúde, vai se impondo, contrariando o obscurantismo que dá a tônica de sua postura pública. Não será graças a ele, mas apesar dele que teremos vacinação.
Não é que Bolsonaro “não consegue fazer nada”, é que ele não sabe fazer nada. E, infelizmente, não há vacina para incompetência.