Ouça este conteúdo
O presidente Jair Bolsonaro esteve na noite desta segunda-feira no início da tradicional sessão de sabatinas eleitorais do maior noticioso do país, o Jornal Nacional. As atenções da população se voltaram para sua entrevista, aguardando o grande momento em que ou ele seria desconstruído por William Bonner e Renata Vasconcellos ou que os descontruiria. Não aconteceu nem uma coisa e nem outra, apesar de Bolsonaro ter ficado com saldo positivo por ter saído de lá inteiro.
Alguns imaginavam ingenuamente que Bolsonaro se sentaria naquela bancada para ser surrado de forma inclemente, perdendo o controle ou respondendo ofensivamente aos apresentadores. Esqueceram de seu desempenho na entrevista anterior, em 2018. Em dado momento naquela oportunidade, chegou até mesmo a citar trechos do editorial assinado por Roberto Marinho a favor do golpe de 1964. Não chegou a tanto dessa vez.
O Bolsonaro de hoje adquiriu a musculatura do poder, e tem um discurso pronto, inclusive para enfrentar questionamentos sobre temas controversos.
Como bem pontuou Carlos Andreazza em sua análise da entrevista no jornal O Globo, Bolsonaro “saiu-se vergonhosamente para seus críticos; porque mentiu demais. Maravilhosamente para seus apoiadores; que se compreendem em guerra e admitem todos os meios”. Há quem tenha contabilizado uma mentira dita a cada 3 minutos.
Dada a estrutura jornalística à disposição dos entrevistadores, foi surpreendente observar que muitas perguntas formuladas careciam de dados factuais, inclusive em temas como economia, que foram abordados rapidamente. Com isso, Bolsonaro pode exercitar uma “guerra de versões” no Jornal Nacional, aproveitando para se contrapor menos ao seu principal adversário na disputa eleitoral e mais com a própria Rede Globo.
No dia seguinte à sua participação no Jornal Nacional, Bolsonaro chamou a entrevista de “inquisição”. Retórica. É que está acostumado com aquelas conversas de comadre que mantém em canais amigos. Qualquer coisa pouco diferente de adulação é tomada por ele como ato de oposição. Longe disso, foi tratado com respeito. E não poderia ser diferente.
O Bolsonaro de hoje adquiriu a musculatura do poder, e tem um discurso pronto, inclusive para enfrentar questionamentos sobre temas controversos. No saldo final, ele conseguiu encontrar o ritmo adequado para expor uma narrativa coesa, ainda que notadamente falsa. As escolhas editorais da entrevista talvez tenham contribuído em parte para isso. Parafraseando Arthur Schopenhauer, é possível se sair bem numa sabatina sem ter razão.