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Quando Jair Bolsonaro vai entregar as joias que recebeu do príncipe saudita Mohammed bin Salman bin Abdulaziz Al Saud? A pergunta, mais do que lançar a dúvida, evidencia o fato de que estão sob sua posse ilegal, é necessário ressaltar. Havia a expectativa de que isso ocorresse na terça-feira (14), mas, ao que consta, a intenção é fazê-lo apenas após a decisão do Tribunal de Contas da União, que se reúne essa quarta (15) para deliberar o que fazer no caso. Se a corte seguir sua jurisprudência, obrigará Bolsonaro, ainda homiziado na Flórida, a devolver bens milionários que pertencem ao patrimônio da União e que ele continua retendo.
O ex-presidente foi beneficiado por uma inacreditável decisão do ministro Augusto Nardes, que lhe permitiu permanecer com os presentes, mas o impedindo de usá-los ou vendê-los. Tornou Bolsonaro uma espécie de fiel depositório, ignorando o próprio histórico de decisões da corte. Em 2016 foi publicado o Acordão 2255, determinando ao Gabinete Pessoal da Presidência da República que incorporasse “todos os documentos bibliográficos e museológicos recebidos pelos presidentes da República, nas denominadas cerimônias de troca de presentes, bem assim todos os presentes recebidos, nas audiências com chefes de Estado e de governo, por ocasião das visitas oficiais ou viagens de estado ao exterior, ou das visitas oficiais ou viagens de estado de chefes de Estado e de governo estrangeiros ao Brasil, excluídos apenas os itens de natureza personalíssima ou de consumo direto pelo presidente da República”. Joias da marca Chopard, por óbvio, não se enquadram em tal categoria.
Os depoimentos contraditórios apenas demonstram que nenhuma justificativa se sustenta, e que as coisas vão se complicando com as gritantes inconsistências.
Cumpre perguntar, aliás, o que Augusto Nardes ainda faz no TCU. Deveria ter sido permanentemente afastado de suas funções depois de se envolver, ao final do ano passado, numa tramoia de natureza golpista. Divulgou para amigos informações de bastidores sobre um suposto “movimento muito forte nas casernas” que resultaria num “desenlace forte na nação”. Até hoje a história não foi explicada, mas deveria ser o suficiente para, no mínimo, torná-lo suspeito de julgar ações relativas a Bolsonaro.
Ainda ontem, o ex-ministro Bento Albuquerque prestou depoimento à Polícia Federal. E mudou novamente sua versão dos fatos. Agora as joias seriam entregues à União. Isso contraria o que havia dito anteriormente. Quando foi a alfândega do aeroporto de Guarulhos buscar os itens apreendidos, disse aos servidores públicos que era tudo para a primeira-dama. Tal fala consta em gravação divulgada pela mídia. A manifestação no âmbito da investigação também colide com dito pela defesa de Bolsonaro. Segundo o advogado Frederico Wasseff são itens personalíssimos, e que por isso deveriam ficar com seu cliente.
Na nova versão há a confissão explicita de uma ilegalidade. Se as joias seriam para o patrimônio da União, por que uma parte delas, avaliada em R$ 400 mil ficou com Bolsonaro (ainda está), e o restante foi apreendido ao chegar no Brasil moqueadas na bagagem do assessor Marcos André dos Santos Soeiro, que tentou passar sem declará-las? Se o intento era agregá-las ao patrimônio estatal, por que a burocracia não foi cumprida desde o início? Era só preencher os devidos formulários e fazer o registro. O que se sabe é que, tanto para a parte que ficou com Bolsonaro quanto para a que ficou no aeroporto, se buscou omitir os bens da autoridade alfandegária. E a isso se dá o nome de descaminho.
Desde outubro de 2021 o governo de Bolsonaro buscou resgatar as joias no aeroporto, sempre se valendo de subterfúgios suspeitíssimos. Uma verdadeira força-tarefa, inclusive com a participação de figuras do 1° escalão. Por que uma autoridade como Bento Albuquerque iria pessoalmente ao local senão para pressionar os funcionários pela força de seu status hierárquico? As carteiradas foram muitas, ainda que, felizmente, nenhuma tenha sido efetiva. A última se deu nos estertores do governo, no dia 29 de dezembro, quando o sargento da Marinha, Jairo Moreira da Silva, fez a tentativa derradeira.
As tipificações penais possíveis vão se ampliando na medida em que a materialidade se avoluma. Estamos a falar crimes como advocacia administrativa, descaminho e, a depender de outras investigações, até mesmo peculato. Os depoimentos contraditórios apenas demonstram que nenhuma justificativa se sustenta, e que as coisas vão se complicando com as gritantes inconsistências. Para Bolsonaro e sua turma já se foram as joias, e agora também podem se ir os dedos.