Guilherme Boulos está tentando suavizar o discurso. Ser revolucionário pega bem entre o nicho de extrema esquerda, mas espanta o resto da sociedade que quer apenas trabalhar e produzir. Quase que mimetizando Lula na conversão a civilidade política em 2002, o candidato do PSOL, que se tornou famoso por liderar o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, agora busca ser visto como uma opção tangível na disputa pela prefeitura da cidade mais rica e empreendedora do país. Trocou as invasões ilegais e as barricadas flamejantes por um apelo acadêmico pela consciência social.

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Mas que fique claro: Boulos mudou para continuar igual. Sustenta as mesmas convicções tortas e o mesmo delírio igualitarista. A forma como se apresenta, entretanto, é outra. E é aí que está a diferença, e também o perigo. Sua retórica foi lapidada para não agredir ouvidos sensíveis. O efeito parece evidente. Tem crescido nas pesquisas, eclipsando os concorrentes de esquerda. Não são poucas as chances de estar no segundo turno com Bruno Covas.

A nova postura passou a cativar a elite paulistana, da qual o candidato é um filho.  Sim, porque não se trata de alguém vindo da periferia. A família de Boulos é abastada. Seu pai, Marcos Boulos, é um reconhecido infectologista. Como o próprio Karl Marx, o líder do MTST não tem origem proletária. Resolveu fazer voto de pobreza renunciando ao que deve considerar um conjunto de privilégios de classe. Talvez se espelhando em Trotky, largou as posses da família para morar no quintal do jardineiro. No caso do candidato do PSOL, no bairro do Campo Limpo.

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O empreendimento sociológico de Boulos cala fundo na mente culpada de muitos bem nascidos. Aqueles que, por alguma razão, se sentem responsáveis pelo abismo de desigualdade existente no Brasil. Para eles, o voto no psolista tem um efeito psicológico compensatório. Como se estivessem a purgar os demônios da riqueza.

Curiosamente, são os pobres que Boulos diz representar quem menos prestam atenção em seu discurso. Segundo as pesquisas de intenção de voto, seu melhor desempenho se dá entre quem tem o melhor nível educacional e a maior faixa de renda. Já entre os menos escolarizados e de menor renda, seus percentuais são tímidos. É mais fácil ele ganhar os votos dos amigos endinheirados de seu pai do que dos vizinhos humildes.

Não se trata de um fenômeno isolado. Marcelo Freixo, seu colega no PSOL, também se tornou o candidato esquerdista preferido da elite carioca. Em 2012 e 2016, quando disputou a prefeitura do Rio de Janeiro, Freixo foi melhor nas regiões nobres da cidade do que nos subúrbios.

O interessantíssimo estudo “Percepções e valores políticos nas periferias de São Paulo”, produzido entre 2016 e 2017 pela Fundação Perseu Abramo mostra que os pobres não acreditam no discurso da exploração econômica, que veem o Estado como grande empecilho em suas vidas e almejam a ascensão social.

Segundo o documento produzido pela instituição ligada ao PT, os moradores da periferia acreditam que “o principal confronto existente na sociedade não é entre ricos e pobres, entre capital e trabalho, entre corporações e trabalhadores. O grande confronto se dá entre Estado e cidadãos, entre a sociedade e seus governantes. Todos são ‘vítimas’ do Estado que cobra impostos excessivos, impõe entraves burocráticos, gerencia mal o crescimento econômico e acaba por limitar ou “sufocar” a atividade das empresas”. Também “Querem ter sua singularidade e valores reconhecidos dentro da competitividade capitalista, mostrando que, apesar das limitações impostas pela condição social, também são capazes”. Para isso “Organizam sua vida (trabalho, família, religião) com a motivação de ‘serem alguém”.

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Com isso fica bem claro o motivo de Boulos encontrar dificuldade de convencer esse eleitorado a apoiá-lo. Ninguém ali quer expropriar a elite de suas posses, muito menos rejeita o sistema econômico existente. Os tais desamparados apenas desejam enriquecer e fazer parte da elite.

Mesmo morando entre os pobres, Boulos parece não saber nada sobre eles ou suas aspirações. Afinal, sua leitura de mundo é a do marxismo romântico: a de que haveria um litígio permanente entre as classes sociais. Nada mais fraudulento e descolado da realidade.