Bolsonaro é do Centrão. Palavras dele, não minhas. O presidente admitiu o fato notório em entrevista concedida a uma rádio do interior. Como se pairasse alguma dúvida, pelo menos entre os que conhecem sua história de forma detida e para além das mistificações. Exercendo mandato parlamentar, ele frequentou a nata das legendas fisiológicas, ficando no PP por longos anos. Impopular e acossado por denúncias envolvendo o filho mais velho e a gerência da pandemia no Ministério da Saúde, Bolsonaro tornou o ex-partido em alicerce fundamental de sua base de apoio. De modo que Ciro Nogueira será nomeado como Ministro da Casa Civil para exercer as prerrogativas políticas de um chefe de governo.
A nomenclatura do bolsonarismo mudou. Se antes tínhamos o ideológico, mais ligado a Eduardo e Carlos Bolsonaro, agora existe o de resultados, que é a cara do pai. As tais alas, que buscavam hegemonizar o controle interno do movimento, agora se calam com a ascensão dos profissionais do poder, categoria que olavistas, e também parte dos militares, faziam de saco de pancada retórico para angariar o voto de setores da sociedade cansados das velhas práticas políticas. Deu certo na campanha, mas não podia dar na prática, ainda mais com um telhado de vidro como Fabrício Queiroz.
Dois anos atrás, o que se defendia era a interlocução congressual por meio das tais “bancadas temáticas”. Seria uma revolução, diziam militantes deslumbrados e mancebos vestidos de cruzadistas. Deu no que deu. Hoje, Bolsonaro governa com nomes como Fernando Bezerra Coelho, Ricardo Barros, Arthur Lira e Ciro Nogueira. A fina flor do establishment que a nova geração de intelectuais prometia combater e derrubar.
Os novos protagonistas do governo tiveram de ser acomodados na estrutura outrora ocupada por calouros e militares de pantufa. Apesar de ambos os grupos terem sofrido redução consistente em sua influência, é inegável que a maior humilhação foi reservada ao generalato. Alias, nunca antes, nem mesmo nos momentos de tensão durante a Comissão da Verdade, eles foram submetidos a uma situação semelhante.
O general da reserva Luiz Ramos, que ocupava a Casa Civil, parece ter sido o último a saber que seu cargo era oferecido para outro. Disse que foi “ atropelado por um trem”. Ao fim, quando tudo já estava acertado para ser substituído por Ciro Nogueira, disfarçou resistência. Fez chegar na imprensa que buscava convencer Bolsonaro do contrário. Em vão. Terá de se contentar com a Secretaria-Geral da Presidiência. É o equivalente político a pintar o meio-fio da calçada.
A estratégia de Bolsonaro é afastar a possibilidade de impeachment, jogando as fichas na recuperação da economia, quando todos estiverem vacinados, apesar e não em virtude dele. O presidente já desistiu desse mandato, no qual lhe restou o papel de pato manco. Foca na possível, mas improvável reeleição, que, se concretizada, poderá lhe dar margem para recuperar alguma influência em 2022. Ciente de que as dificuldades presentes e futuras do mandatário ainda são compráveis, o mercado da política cobra o preço, faturando alto ao se apoderar da máquina administrativa e do controle das nomeações. Centrão vult.
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