O narcotraficante André do Rap fugiu. Evadiu-se, como bem disse Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal. O líder criminoso do PCC foi beneficiado por aquilo que podemos chamar de liturgia da impunidade nacional. Um conjunto de ações que vão desde a falta de rigor técnico na produção legislativa, passando pela omissão dos órgãos de Estado até a aplicação mambembe da lei em si.
O Ministério Público e o ministro Marco Aurélio Mello são, sem sombra de dúvidas, os grandes responsáveis pela situação. Antes de falar deles, entretanto, cabe abordar o dispositivo que embasou a decisão do magistrado. Trata-se do artigo 316 do Código de Processo Penal, que foi alterado quando da aprovação do chamado “pacote anticrime”.
O dispositivo estabelece em seu parágrafo único que:
“Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.”
Trata-se de um texto evasivo que, a título de combater prisões provisórias eternas, deixa brechas evidentes para ser usado por criminosos bem assessorados como verdadeiro ativo. O Legislativo jamais deveria ter permitido que a redação final do referido parágrafo fosse essa.
Em artigo publicado no site Consultor Jurídico, Fernando Mendes, ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, aponta a falta de clareza da norma e exemplifica isso mostrando que Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes a interpretaram de formas diferentes em casos semelhantes. Mello decidiu pela liberação automática, enquanto Mendes entendeu que o fim dos 90 dias de prisão não levam a soltura imediata do réu, devendo haver o reexame dos fatos que justificariam a continuidade da prisão originalmente arguida.
Mas, independente da leitura do texto ou do juízo que se faça da qualidade do que foi escrito no Congresso, era obrigação do Ministério Público ao menos requisitar a renovação da prisão, o que acabou não sendo feito. Uma grave omissão que frutificou na forma da liberação do traficante.
E aqui entra o ministro Mello, que preferiu fazer a interpretação mais laxista possível da lei. Ora, na ausência de manifestação do Ministério Público, o ministro poderia ter recorrido também a outro dispositivo presente no Código de Processo Penal.
Imediatamente antes do Art. 316, há o Art. 315, que faculta ao juiz “decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva” podendo ainda “indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada”. Em outras palavras: Mello não precisaria de parecer algum para deliberar sobre o caso, podendo ele mesmo elencar as razões para que André do Rap permanecesse preso. Mas não foi o que fez.
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O traficante foi conduzido para fora da penitenciária pela porta da frente. Em sua imprudência e insensatez, Marco Aurélio Mello ainda escreveu a seguinte pérola em sua decisão:
"Advirtam-no da necessidade de permanecer com a residência indicada ao juízo, atendendo aos chamamentos judiciais, de informar possível transferência e de adotar a postura que se aguarda do cidadão integrado à sociedade".
Como um bom narcotraficante integrado à sociedade, André do Rap informou um endereço falso, ocultando-se imediatamente com a proteção da enorme estrutura do crime organizado que comanda. Mello esperava o que dele? Senso patriótico e cumprimento da lei?
Depois dessa barbeiragem jurídica, restou ao STF se reunir para deliberar a respeito. Formou-se uma maioria de ministros a favor da continuidade da prisão de André do Rap, um já foragido.
Chico Rodrigues e o dinheiro nas nádegas
A posição da corte, entretanto, só não soou mais tragicamente cômica porque na naquela hora o assunto do país já era outro: a operação deflagrada pela Polícia Federal que resultou na apreensão de dinheiro nas cuecas do senador Chico Rodrigues.
Rodrigues, que é vice-líder do governo no Senado Federal, é investigado por desvio de recursos públicos no combate à pandemia de Covid-19. Segundo a revista Crusoé, os agentes responsáveis pelo cumprimento dos mandados encontraram nele notas sujas de fezes.
Se o caso investigado pela PF mostra que dinheiro público pode ser encontrado metido nas nádegas de um senador, o caso André do Rap mostra que a impunidade está metida nas nádegas de todos os brasileiros.
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