A CPI da Covid se arrastava pela noite de sexta-feira com o parlamentar Luís Miranda e seu irmão, o servidor federal Luís Ricardo Miranda, tergiversando sobre o detalhamento das acusações que faziam. Durante a sessão, muitas vezes foi mencionado o papel e influência que um deputado importante desempenhara para que se celebrasse o contrato nebuloso de aquisição da vacina Covaxin pelo governo. Seu nome, entretanto, era omitido. A princípio, Luís Miranda dizia se tratar de um lapso de memória, e que Jair Bolsonaro poderia esclarecer de quem se tratava. Conforme a sessão avançava e as pistas sobre a identidade eram lançadas, todos já tinham concluindo quem era. Faltava a citação, que precisava vir da boca de um dos depoentes.
Os trabalhos tinham começado de forma truncada, confusa, hesitante, quase que resvalando para a balburdia generalizada. Os senadores da base governista operavam para atravancar o andamento com interrupções, perguntas deslocadas e desentendidos calculados. Marcos Rogério e Fernando Bezerra, ambos visivelmente alterados, capitaneavam uma verdadeira tentativa de chicana. Durante um intervalo, o primeiro chegou a peitar o deputado Luís Miranda com uma barrigada. Integrantes da CPI tiveram de intervir de modo a evitar uma briga. O clima pesado foi gerado como efeito de uma estratégia política de intimidação. Os bolsonaristas procuravam desgastar emocionalmente os irmãos Miranda de modo a demovê-los de qualquer disposição. Durante algum tempo, conseguiram impor seu ritmo.
As coisas começaram a mudar de curso a partir de mais uma consistente inquirição do senador Alessandro Vieira. Cobrou coragem do deputado afirmando que, com aquela postura, ele não se colocava “à altura da imagem que tenta vender”. “O senhor, voluntariamente, assumiu o compromisso de dizer a verdade, mas lhe falta coragem para dizer”, apontou. Na sequência veio a senadora Simone Tebet, que preferiu o abordar apelando ao “espírito público” para que completasse o depoimento “a favor do país”.
Entendendo que era o medo que lhe segurava a língua, ela o fez refletir sobre as garantias que teria se falasse tudo. O parlamentar ainda vacilou: “Se eu fizer isso eu vou ser perseguido”. “Vossa Excelência só confirma que sabe”, respondeu Simone Tebet, ao que, finalmente, ele confirmou: “A senhora também sabe que é o Ricardo Barros que o presidente falou”. Seguiu-se então um desabafo de Luís Miranda, finalmente aliviado pela revelação: “Foi o Ricardo Barros que o presidente falou. Foi o Ricardo Barros. Eu não me sinto pressionado para falar. Eu queria ter dito desde o primeiro momento, mas é porque vocês não sabem o que eu vou passar. Por apontar um presidente da República que todo mundo defende como uma pessoa correta, honesta, que sabe que tem algo errado, ele sabe o nome, ele sabe quem é. Ele não faz nada por medo da pressão que ele pode levar do outro lado? Que presidente é esse que tem medo de quem está fazendo algo errado? De quem desvia dinheiro?”.
Contra Barros há um conjunto consistente de evidências. Durante o depoimento, o funcionário Luís Ricardo Miranda acusou Regina Celia Silva Oliveira de ter passado por cima dele no rito de autorização de importação da Covaxin. Ela foi nomeada por Barros ainda quando este era ministro em 2018. Também foi ele que inseriu um dispositivo na lei para que a importação de vacinas, mesmo que sem autorização da Anvisa, pudesse ser feita desde que certificada pela autoridade sanitária da Índia, país de procedência da referida vacina. Além disso, Barros está sendo investigado por improbidade administrativa da época em que era ministro, pelo favorecimento da Global Saúde, empresa sócia da Precisa Medicamentas, que vendeu a Covaxin ao governo
O líder do governo, e um dos principais nomes do Centrão, já disse que não é “esse parlamentar citado” e que está a “disposição para quaisquer esclarecimentos”. A expectativa agora é de que ele seja ouvido na CPI.
A investigação no Senado ganhou uma amplitude maior. Está a se falar do que seria um caso de corrupção no Ministério da Saúde em plena pandemia com o líder do governo, e peça fundamental da sustentação de Bolsonaro no Congresso, sendo o agente intermediador de uma compra superfaturada de vacinas. Diante disso, a prevaricação da maior autoridade do país seria equivalente a um ato criminoso contra a vida dos brasileiros.