Assim como o coronavírus, o negacionismo também se divide em cepas. Apesar de todas serem francamente conspiracionistas, há diferenças de estilo. Umas se pretendem sérias e técnicas, já outras não tem pudor na canastrice e no histrionismo. Não é preciso de microscópio para identifica-las, basta dar uma olhada na CPI da Covid. Seus representantes estão lá, tentando defender o governo federal de sua responsabilidade pela política de saúde pública que nos levou ao caos sanitário e rumo a meio milhão de mortos. O serviço deles é inverter a realidade, dando a entender que tudo foi feito de forma adequada, rigorosa, seguindo as melhores práticas administrativas, e que as mortes registradas teriam sido evitadas se um amplo programa de tratamento precoce fosse oferecido para a população. Querem normatizar o estado pandêmico de modo a livrar a cara do presidente.
Na última quinta-feira, com o depoimento de Dimas Covas, foi a vez dos parlamentares bolsonaristas encamparem a retórica antivacina. Antes isolada no submundo da internet, agora ela ganhou voz e vez no Congresso Nacional. O senador Eduardo Girão chegou a questionar se o imunizante usava células de fetos abortados em sua composição. Também perguntou se Instituto Butantan disponibilizaria amostra laboratorial da Coronavac ou se permitiria que um laboratório independente fizesse uma análise.
A tecnologia que usa linhagem de células humanas é consagrada e remonta a 1972. Tem como origem, de fato, um feto abortado na Holanda, mas o procedimento foi autorizado pela Justiça. As células daquele organismo foram sendo replicadas e conservadas ao longo dos anos para possibilitar que proteínas usadas em imunizantes e fármacos fossem criadas no ambiente adequado para que gerassem os melhores efeitos em seres humanos. As tais células, entretanto, não são usadas na composição da Coronavac.
Do modo como Girão colocou, a impressão que fica é de que procedimentos de curetagem estão sendo feitos para mover uma indústria de imunizantes, com pedaços de fetos sendo dissolvidos dentro de seringas para depois serem aplicados nos nossos braços. Com alguma surpresa, e, creio eu, até constrangimento, Dimas Covas precisou explicar o que poderia ter sido previamente sanado se a assessoria de Girão fizesse uma rápida busca nos inúmeros sites científicos sérios.
Não faz muito, em coletiva para a imprensa após uma sessão da CPI da Covid, o senador Luiz Carlos Heinze também espalhou boataria. Naquela oportunidade, falou de mortes que teriam sido ocasionadas pela vacina da Pfizer em Israel. Informação essa mais do que desmentida.
Dimas Covas relatou que três ofertas feitas pelo Butantan em 2020 para aquisição de imunizantes ficaram sem resposta. No último dia 13, o gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, foi na mesma linha. Três ofertas da farmacêutica foram completamente ignoradas.
A cada novo depoimento na CPI, fica clara a omissão do governo na celebração de contratos com laboratórios para compra de vacinas. Quantas teríamos antecipadamente? Qual o impacto disso em vidas humanas? Por que essa demora? Todos os senadores deveriam tentar responder essas perguntas. Uma parte deles, entretanto, parece mais interessada em desviar a atenção e colocar as vacinas, e não quem as sonegou, no banco dos réus.
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