As declarações dadas por Fabio Wajngarten na revista Veja constituem muito mais do que apenas uma entrevista. Ali está exposta uma estratégia de ação que deverá ser usada pelo governo para se defender na recém-criada CPI da Covid.
Cada palavra dele foi calculada para servir a uma narrativa, inclusive com a citação de nomes do núcleo duro do bolsonarismo que poderiam corroborar o que disse.
O ex-secretário de Comunicação da Presidência tratou da condução desastrosa da pandemia, enfocando as razões pelas quais o Brasil falhou na aquisição de vacinas. Fez questão, entretanto, de isentar o presidente da República. “O presidente Bolsonaro está eximido de qualquer responsabilidade”, disse. Segundo ele, a culpa de todos esses problemas seria da direção do Ministério da Saúde. Apesar de negar, seu alvo é Eduardo Pazuello.
Wanjgarten parte de uma linha argumentativa na qual o Ministério da Saúde era um corpo estranho dentro do governo. Como se a conduta do órgão conflitasse com a orientação de Bolsonaro, cuja vontade seria expressa através da atuação do então responsável pela Secom. “Se as coisas não aconteceram, não foi por culpa do Planalto (...) Me cabe reportar o que o Palácio fez através da minha pessoa”, assegura. Fez em nome de sua pessoa, mas não na pessoa de Pazuello? Isso equivale a rir da inteligência do leitor.
O publicitário vai adiante. Segundo ele, Bolsonaro era “abastecido com informações erradas”, não sabendo precisar se “por dolo, incompetência ou as duas coisas”. É curioso notar que sua atuação, supostamente contando com a preferência do presidente, não se sustentou. Wanjgarten, como se sabe, acabou demitido do posto. Diante disso, como ele pode garantir que representaria a vontade do Palácio do Planalto?
É uma tarefa impossível dissociar Bolsonaro de Pazuello. O militar foi colocado na titularidade da Saúde exatamente para que o ministro fosse o próprio presidente. Sua nomeação se deu para evitar novas situações de desgaste e incompatibilidade, como as que ocorreram com Luiz Henrique Mandetta e NelsonTeich. “É simples assim: um manda e o outro obedece”, disse o próprio Pazuello certa feita. O que se pretendia era ter no cargo um cumpridor de ordens, não um técnico que pudesse obstar o negacionismo como política de Estado.
A tentativa de Wanjgarten de colocar o presidente como um homem preocupado com a pandemia é desmoralizada pelos fatos. Afinal, na única divergência pública entre o mandatário e seu general interventor na Saúde foi em relação à inclusão da Coronavac no Plano Nacional de Imunização. Em 20 de outubro, Pazuello havia anunciado a intenção de comprar 46 milhões de unidades do imunizante produzido pelo Instituto Butantan, mas acabou desautorizado pelo seu chefe no dia seguinte. Irritado, o presidente foi a público anunciar a suspensão da compra. “Minha decisão é de não adquirir a referida vacina”, afirmou em uma coletiva. Nesse episódio, quem ficou ao lado da vacina foi Pazuello, não Bolsonaro.
Nas próximas semanas, Eduardo Pazuello deverá ser convocado a depor na CPI da Covid. Terá muito o que explicar. Sobre tratamento precoce, sobre contratos com produtores de vacinas, sobre logística, sobre falta de oxigênio, sobre as orientações do presidente. E, por óbvio, terá de ser instado a comentar as declarações de seu ex-colega de ministério. Afinal, municiou o presidente com informações erradas ou não? Foi por dolo ou incompetência? Assumir a responsabilidade exclusiva equivale a dar um testemunho sem sentido. Vamos descobrir se o General aceitará ser rebaixado a bode expiatório.