Procurador-Geral da República, Paulo Gonet. Antonio Augusto/Secom/MPF| Foto: Antonio Augusto/Secom/MPF
Ouça este conteúdo

O teor da peça acusatória da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Jair Bolsonaro e outros colaboradores do primeiro escalão de seu governo, incluindo militares de alta patente, é emblemático na descrição de um período histórico recente em que a democracia brasileira foi submetida a um assédio inédito desde o fim da ditadura militar. Não é exagero afirmar que por pouco, por muito pouco, o plano golpista que se descortinava nos bastidores do Planalto não se consumou na intervenção ambicionada por subversivos do Estado de Direito nas ruas, no Palácio do Planalto e na caserna.

CARREGANDO :)

Aprovado no Senado com o apoio e o voto de bolsonaristas, Paulo Gonet concatenou uma longa série de ações disruptivas protagonizadas pelos indiciados. Ele volta no tempo, estabelecendo como marco temporal um período que precede a eleição presidencial, mostrando que o intento daquilo que chamou de “organização criminosa” era, desde sempre, inviabilizar “o resultado da vontade popular expressa nas eleições presidenciais de 2022” consagrando o seu “projeto de retenção heterodoxa do poder”.

Não se pode ignorar que os participes não era cidadãos comuns, mas autoridades que, investidos em seus respectivos cargos, tramaram objetivamente. Eles não apenas detinham influência, como a usaram para viabilizar seu desiderato antidemocrático

Publicidade

A consistência da denúncia não reside apenas na perspectiva traçada pela PGR. Até porque, desde que as investigações contra os golpistas começaram, uma das contestações frequentes é de que tudo o que se imputou não passaria de elucubração, de retórica, de meros “atos preparatórios” cuja penalização não seria possível de acordo com a legislação brasileira. Uma forma de isentá-los de qualquer responsabilização.

A tese da “perseguição jurídica” se daria porque os acusados estariam sendo investigados por manifestarem meras intenções. No texto da denúncia, entretanto, o titular da PGR aponta para o conjunto de “atos executórios”. “Durante as investigações, foram encontrados manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagens reveladoras da marcha de ruptura da ordem democrática”, relata. E isso, obviamente, vai para muito além do diletantismo. Não se pode ignorar que os participes não era cidadãos comuns, mas autoridades que, investidos em seus respectivos cargos, tramaram objetivamente. Eles não apenas detinham influência, como a usaram para viabilizar seu desiderato antidemocrático.

Se não foram bem-sucedidos no intento, e o golpe acabou não se concretizando, isso não significa que Bolsonaro e outros arrolados não possam ser enquadrados nas acusações apresentadas. Até porque o crime principal, ao qual todos os demais foram cometidos e estão relacionados, não é de golpe de Estado, mas de tentativa de golpe. Ironicamente, foi o próprio ex-presidente quem sancionou a lei que tipificou os crimes praticados contra o Estado de Direito.

Já na primeira linha de sua peça de denúncia, o PGR sublinha que “uma democracia que não se protege não resiste às pulsões de violência que a insatisfação com os seus métodos, finalidades e modo de ser podem gerar nos seus descontentes”. A história do Brasil é eivada de quarteladas e intervenções. Ao longo dela, nunca tratamos os inimigos da democracia como os criminosos que são. A denúncia de Gonet é o documento que dá fim a uma omissão institucional reiterada e um basta definitivo aos que acham que podem subverter a ordem em nome de suas ambições ideológicas extremistas.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
Publicidade