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Jair Bolsonaro em sua live
Jair Bolsonaro em sua live| Foto: Reprodução/YouTube/Jair Bolsonaro

O vídeo protagonizado por Jair Bolsonaro contra o sistema de apuração eleitoral não prova fraude nas urnas, mas constitui-se em prova de crime de responsabilidade praticado pelo presidente da República. Em síntese: o Tribunal Superior Eleitoral e seu presidente foram acusados pelo mandatário de estarem em conluio com as esquerdas para, por meio da suposta manipulação de resultados, entregar o poder a Lula. Temos aqui um atentando contra o livre exercício dos poderes. Por si só, a patuscada de quinta-feira já deveria valer um processo de impeachment e o mandato de Bolsonaro.

Durante duas horas, o que se viu não foi uma denúncia, mas um apelo de cunho fundamentalmente político. A ideia central era usar a ocasião e a atenção despertada pelo tema para mobilizar a militância bolsonarista num momento em que o presidente precisa entregar o poder ao Centrão para preservar o que resta de seu mandato. Prepara o terreno para contestar o resultado da eleição de 2022, caso não seja reeleito. Se derrotado, alegará que o “sistema” o impediu de permanecer no cargo.

Só a turba fanatizada engole a narrativa de fraude. Os vídeos apresentados pelo governo são uma seleção das falsificações mais famosas compartilhadas nas redes sociais costurados marginalmente com retalhos descontextualizados de reportagens feitas por veículos de comunicação conhecidos. Em meio a isso, programadores de fundo de quintal e até um acupunturista de árvore pontuavam de maneira a emprestar algum rigor técnico ao que não passava de uma chanchada flagrantemente ilegal e imoral.

O TSE fez o trabalho adequado e necessário de contestar ponto a ponto e em tempo real as mentiras e groselhas que iam sendo difundidas na live presidencial. Alguém poderá, com algum fundo de razão, alegar que isso empresta credibilidade a uma denúncia fajuta, mas o ponto aqui é outro: não deixar sem resposta um ataque de cunho institucional. Vale lembrar que o alvo de Bolsonaro nunca foi o sistema de votação, mas os órgãos da Justiça. É mais grave do que o humor involuntário da peça deixa transparecer.

Os critérios criados pelo governo para permitir a cobertura dos veículos de imprensa já denotavam o clima de embuste. Uma exposição sem possibilidade de questionamentos e com a obrigatoriedade de transmissão por quem estivesse credenciado. Para além disso, tudo veiculado por uma TV pública que o próprio presidente havia prometido extinguir.

O “voto auditável” sempre existiu. O Art 66° da Lei 9054/97 regulamenta o controle e a fiscalização que são exercidos por partidos políticos, órgãos de Estado e entidades independentes. O processo é acompanhado desde muito tempo antes do dia do pleito, sendo que os representantes de siglas e de coligações acompanham a formatação do sistema, a inserção do programa nas urnas e podem, por conta própria, organizar apurações paralelas concomitantes a da Justiça Eleitoral. Está tudo na lei, bastando consultar.

Também é uma farsa afirmar que a suposta fraude se daria em Brasília, na totalização dos votos. O TSE de fato unifica os dados gerados, mas cada urna faz sua própria totalização, que pode ser conferida de forma impressa por meio do boletim emitido ao final da votação e que é distribuído aos fiscais representativos das coligações e afixados nas sessões eleitorais. Dessa maneira, é plenamente possível acompanhar e comparar os números, auditando o resultado.

Estamos diante de um ataque deliberado ao processo eleitoral. O presidente já chegou até a especular sobre a não realização de eleições, a menos que feitas sob seus termos. É inédito na história do Brasil. O presidente do STF, o Procurador-Geral da República e os chefes das casas legislativas parecem inermes e acanhados. Bolsonaro e sua turba de arruaceiros políticos nunca buscaram o aprimoramento do sistema de votação ou a transparência, e sim colocar em xeque a democracia. E o fazem sem que se esboce reação à altura. É na parvoíce de outros líderes que se criam os golpistas.

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