Só um parvo pode imaginar que o fim do governo de Jair Bolsonaro representa o fim do bolsonarismo em si. Com ou sem ele, é um movimento que veio para ficar. Seu espólio político agora já está sendo disputado pelas diferentes alas que compunham sua base ideológica de apoio. E isso fica evidente com o pronunciamento de Hamilton Mourão, que foi presidente em exercício por apenas um dia, mas em tempo suficiente para usar a estrutura pública como forma de atacar seu colega de chapa quando este estava em voo aos Estados Unidos.
A manifestação pública de Mourão foi menos por amor à democracia e às instituições e mais por oportunismo puro e simples. Desde já quer se cacifar para 2026 como líder da oposição ao presidente Lula, e para isso precisa se projetar no campo antipetista. Ainda que sem citar nomes, sua fala em rede nacional de rádio e TV serviu para fustigar Bolsonaro acusando-o de omissão deliberada e de fomentar a ruptura institucional: “Lideranças que deveriam tranquilizar e unir a nação em torno de um projeto de país deixaram com que o silêncio ou o protagonismo inoportuno e deletério criasse um clima de caos e de desagregação social e de forma irresponsável deixaram que as Forças Armadas de todos os brasileiros pagassem a conta, para alguns por inação e para outros por fomentar um pretenso golpe”, disse.
Quando decidiu embarcar para os Estados Unidos, Bolsonaro precipitou o fim de seu mandato e abriu mão do protagonismo até então inconteste sobre o que se convencionou chamar de direita brasileira.
A reação de Carlos e Eduardo Bolsonaro, inclusive de forma ofensiva, demonstra que a disputa pelo controle do campo bolsonarista tende a ser fratricida. Ao longo dos próximos quatro anos, outros atores certamente buscarão espaço. É o caso de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, e de Romeu Zema, reeleito no 1° turno em Minas Gerais.
Bolsonaro negou o resultado da eleição e boicotou o rito de passagem da faixa presidencial na esperança de que isso ensejasse um movimento de contestação que impedisse a posse. Deu errado. Quando decidiu embarcar para os Estados Unidos, precipitou o fim de seu mandato, abriu mão do protagonismo até então inconteste sobre o que se convencionou chamar de direita brasileira, além de conceder ao seu adversário a possibilidade de moldar a posse presidencial de acordo com os pressupostos ideológicos do lulopetismo.
Ao contrário do que diziam os grupelhos extremistas, Lula acabou subindo a rampa do Palácio do Planalto. E o fez com todo o simbolismo político possível. Juntou estratificações sociais diversas e produziu uma imagem poderosa que viralizou pelo mundo. Lula apareceu ao lado de um índio, de uma mulher com deficiência física, de um menino negro e de outros representantes das camadas populares escolhidos a dedo.
Ainda que se possa questionar a demagogia do ato de Lula – e ele foi criado exatamente para reproduzir uma narrativa política – ninguém poderá contestar o fato de ele só foi possível porque Bolsonaro renunciou às suas obrigações institucionais. Cumprisse seu papel de entregar a faixa, disputaria atenção dos holofotes com seu sucessor. Essa falta de percepção óbvia, além do fato de ter abandonado seus militantes na frente dos quartéis, ressalta a inaptidão para a liderança e o fragiliza como figura central da oposição de direita. Enquanto Bolsonaro come fast food nos EUA, seus ex-aliados se refestelam com seu espólio político deixado no Brasil e Lula brinda o retorno ao poder.
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