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A retórica é a grande força de Lula, mas também sua fraqueza. Pessoas que gostam da própria voz tendem a se auto encantar ao se ouvir. E o ex-presidente, como é sabido por todos, gosta de falar. E, nos últimos tempos, principalmente para convertidos. Quando chegou a poder em 2003, o líder petista era cercado de cérebros privilegiados na esquerda. Seu grande articulador político era José Dirceu, de quem jamais foi próximo ou amigo. Não compartilhavam das mesmas opiniões, mas se completavam. A situação mudou. Os escândalos de corrupção tragaram boa parte dessas figuras. Hoje ele é cercado de sabujos que o idolatram em uníssono. A ausência de contestação e o servilismo quase messiânico, que precede o bolsonarismo, alimentam os vícios de Lula, que fala cada vez mais certo de que suas palavras são a lei e única verdade.
Na entrevista que concedeu a mim e a colegas na Rádio Bandeirantes, Lula se enrolou na própria retórica. O questionei sobre ter um cheque em branco para governar o país e como negociaria com o Congresso de Arthur Lira. Em sua resposta, o ex-presidente afirmou que dialogava com todos, inclusive os que participaram do, nas palavras dele, “golpe contra Dilma Rousseff”. O provoquei então sobre a posição de seu atual vice, Geraldo Alckmin, que, na época, defendeu o afastamento da então mandatária. “Não fale isso que não é verdade”, retrucou. Eu insisti, induzindo Lula a reafirmar a versão: “Geraldo Alckmin era contra o impeachment de Dilma?”. Lula narrou então que Alckmin “não só era contra como ele pediu o parecer de um advogado que deu um parecer contra o impeachment”.
De imediato, esse trecho da entrevista girou o país, colado a uma entrevista de 2016 ao SBT em que o ex-governador de São Paulo justificava como correta a posição do PSDB em votar “favoravelmente ao impeachment”. O flagra da tentativa de mudar a história repercutiu no mundo político, principalmente em setores importantes da esquerda que foram obrigados a engolir em seco a incomoda e pragmática aliança com o ex-tucano. O desmentido, afinal, se dava na véspera de uma agenda oficial de Lula, Alckmin e Dilma no Rio Grande do Sul. Foi necessário muito afago público entre os protagonistas do episódio para tentar abafar o constrangimento da situação. Em vão.
Também repercutiu a resposta de Lula sobre a interlocução com o mercado. Perguntei quem era o formulador econômico da campanha petista, e mencionei supostas conversas com Pérsio Arida. Lula disse então que Arida “foi indicado pelo companheiro Alckmin para conversar com a Fundação Perseu Abramo sobre o programa de governo”. Nesta quinta, na coluna “Painel”, na Folha de São Paulo, o economista, que foi um dos criadores do Plano Real, negou tal informação. Disse que teve “uma conversa com Aloizio Mercadante em março”, mas que nada sabia “do programa de governo do PT”. Mais um desmentido.
Vigaristas e ignorantes travestidos de jornalistas acreditam que entrevistar é tomar partido, e que ouvir o entrevistado e deixá-lo falar é o mesmo que subscrever suas ideias. Desconhecem qualquer técnica porque tudo o que entendem é a linguagem militante da pancadaria, da polêmica pela polêmica, da subserviência ao alarido das redes sociais e a necessidade incessante de chocar, mesmo que para isso precisem penhorar qualquer fiapo de pudor ou resquício de integridade. Afundados no ressentimento, não produzem nada, a não ser bile.
Na entrevista para a Rádio Bandeirantes, Lula pode falar livremente. Sem que entrevistadores e entrevistado caíssem no bate-boca pueril, que serviria apenas para alegrar bolhas ideológicas, o petista perdeu mais do que ganhou. Está, afinal, a uma semana sendo exposto pelos espectadores atentos e pelo jornalismo profissional. Quem venceu foi o público, que viu, por trás de todo aquele palavrório desenfreado, um conjunto de falsificações.