O segundo turno foi amargo para Jair Bolsonaro e seu movimento político. A tal hegemonia que Bolsonaro imaginava sustentar no chamado campo conservador, já devidamente fraturada com a disputa do primeiro turno em São Paulo, se esfacelou de vez com candidatos do PL ou aliados diretos seus sendo derrotados em boa parte das cidades em que concorriam com adversários de centro ou também da direita não bolsonarista. Frustrado com a tentativa de reeleição em 2022, inelegível até 2030 e com poucas chances de reverter sua condição jurídica, o ex-presidente contava ainda com a suposta capacidade mobilização e transferência votos para seus representantes. Mas nem isso conseguiu.
“Somos a legenda que mais cresce no Brasil, e com a força dos nossos parlamentares e de Bolsonaro, iremos fazer mais de 1500 prefeitos nas próximas eleições”, chegou a vaticinar o presidente do PL Valdemar da Costa Neto em meados de 2023. Acabou com 517, um desempenho 66% menor do que o estimado. Mesmo que o número alcançado tenha sido inequivocamente alto, ainda mais se comparado com partidos de esquerda, o PL não conquistou as vitórias expressivas em centros urbanos considerados estratégicos. Uma inequívoca fraquejada eleitoral.
A direita pode se viabilizar puxando o centro sem depender de Bolsonaro, que, em pouco tempo, acabou virando um estorvo desagregador, um verdadeiro encosto
O PL de Bolsonaro foi derrotado em sete capitais em que tinha candidatos no segundo turno. Em Belo Horizonte, Bruno Engler perdeu para Fuad Noman, do PSD de Gilberto Kassab. Em Manaus, Capitão Alberto não conseguiu superar Davi Almeida, do Avante. Em Fortaleza, André Fernandez perdeu para o petista Evandro Leitão. O resultado foi especialmente amargo em Goiânia, em que Fred Rodrigues, o representante de Bolsonaro e do PL, acabou atrás de Sandro Mabel, candidato apoiado pelo governador Ronaldo Caiado.
“O pessoal do PL acha que só o número 22 elege as pessoas”, ironizou Caiado depois de confirmada a vitória de Mabel. “Eu tenho credibilidade moral, intelectual para governar e para fazer política. Tanto é que eu mostrei que eu sei ganhar eleições, diferente dele”, disse o governador de Goiás em referência a Bolsonaro.
Bolsonaro, diga-se, desprezou um aliado de primeira hora. Caiado, ao contrário de outros líderes de direita no país, não deve sua carreira ao ex-presidente. Quando Bolsonaro estava na caserna, ele já tinha concorrido à Presidência e era um dos principais articuladores políticos do agronegócio no Congresso Nacional, sendo fundador da União Democrática Ruralista (UDR). Eleito senador, e depois eleito e reeleito governador em Goiás, Caiado tem ambições políticas que conflitam com as de Bolsonaro. Dentre elas, ser candidato ao Palácio do Planalto em 2026. O ex-presidente não suporta essa possibilidade porque acha que só ele pode representar a direita, ainda que esteja inelegível.
Em uma visita ao Congresso logo após o resultado da eleição municipal, o ex-presidente chegou a dizer que classificava como “utopia” uma direita sem sua liderança. Pura egolatria. O resultado das urnas mostra o exato inverso. Caiado, com sua experiência política acumulada, leu o óbvio: a direita pode se viabilizar puxando o centro sem depender de Bolsonaro, que, em pouco tempo, acabou virando um estorvo desagregador, um verdadeiro encosto na futura composição política de oposição a Lula.
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