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Falecido em fevereiro de 2024, o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore concedeu uma entrevista premonitória para o Brazil Journal ainda no início de 2023, sobre os rumos da economia. À época, o economista já descrevia o cenário fiscal como “muito ruim”, “expansionista” e “atuando com sinal contrário ao da política monetária”. “O que está montado é uma marcha a passo batido na direção da dominância fiscal. Não tenho dúvida de afirmar isto. E o responsável é o governo”, vaticinou.
Na última semana o dólar entrou em parafuso, rompendo todos os níveis históricos de valorização sobre o real. Entre a quinta-feira da semana passada, dia 12, e esta terça, dia 17, o Banco Central vendeu mais de US$ 12 bilhões na tentativa de frear a moeda americana dando liquidez ao mercado. O efeito, entretanto, foi praticamente nulo. A tendência continuou a ser de alta, com investidores fugindo para longe dos ativos brasileiros. Por vezes o Tesouro Direto teve de suspender a venda de títulos da dívida, mesmo com taxas recordes.
Não adianta querer acalmar o mercado com Fernando Haddad descansando e tocando Blackbird no violão
Segundo o economista Felipe Salto, ainda não estamos no temido cenário de “dominância fiscal”, em que a política monetária deixa de ter efeitos sobre os indicadores inflacionários, mas vê o cenário como “muito grave”. Durante um evento promovido pelo jornal Correio Braziliense, Salto afirmou que o pacote apresentado pelo governo é insuficiente, mas que o Congresso também tem responsabilidade. “Ou todo mundo colabora para o ajuste fiscal ou ele não vai acontecer”, disse.
Fato é que a falta de efeito dos leilões de dólares do Banco Central sobre o preço da moeda norte-americana indica uma diminuição na sua capacidade de intervenção. Se ainda não estamos em dominância fiscal, como afirma Salto, parece inequívoco que, no ritmo atual, caminhamos para ele. Na entrevista de 2023, Pastore falava do risco de a economia “degenerar ao longo do tempo”. “Dominância fiscal não significa que vai tudo explodir amanhã. Você não vai morrer de uma hora para outra”, disse.
Ora, se as medidas monetárias têm cada vez menos impacto, ressalta-se, então, a importância das medidas fiscais, que dependem dos atores políticos. O mercado, é verdade, especula, mas motivado pelas incertezas que são produzidas pelos governos. Qual a percepção dos investidores diante de Lula falando que a única coisa errada no país é a taxa de juros? Ou da bateção de cabeça do governo em apresentar um plano de corte de gastos? Ou de um Legislativo que só vota pautas de interesse do país mediante pagamento de emendas?
Na última terça-feira, enquanto o Banco Central vendia US$ 3,287 bilhões em reservas, o presidente Lula autorizou que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tire férias entre 2 e 21 de janeiro. De que outra forma o mercado pode interpretar essa decisão enquanto o pacote de corte de gastos não termina de ser votado e o real atinge o pico de desvalorização no cenário internacional? É preciso mandar a sinalização correta para os agentes econômicos. Não adianta querer acalmar o mercado com Haddad descansando e tocando Blackbird no violão.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos