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Exército - operação - PF
Agentes da Polícia Federal cumpriram mandados de busca e apreensão contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro.| Foto: André Borges/EFE

Em sua coluna no portal Poder 360, o advogado André Marsiglia anunciou a “morte da oposição política no país”. Ele apontou como causa mortis “as medidas de força bruta que foram – e ainda serão – tomadas pelo Supremo Tribunal Federal”. Segundo o articulista, “criou-se um ambiente de tensão tamanha que os atingidos não serão apenas os que estão hoje no tabuleiro político, mas, sobretudo, os quadros do futuro, abortados pelo medo de serem vistos como extremos, ao serem de direita, pelo medo de serem enquadrados como antidemocráticos, ao fazerem oposição aos abusos de um Judiciário e de um Executivo que personificaram em si e suas ações o próprio conceito de democracia”. É mais exercício de futurologia do que um atestado de óbito propriamente dito.

Ninguém está sendo acionado pela Justiça ou investigado por ser crítico de Lula ou não gostar do atual governo. A operação da Polícia Federal ocorrida na semana passada, tendo como alvo militares de alta patente e ex-integrantes do núcleo duro do governo Jair Bolsonaro, é relativa a atos anteriores ao início do 3º mandato do atual presidente. Remontam originalmente a 2021, quando da instauração do inquérito das milícias digitais. Bem antes da eleição. E existem porque os suspeitos estariam envolvidos numa trama que, sendo bem-sucedida, aí sim colocaria em risco não apenas a chance de a oposição da época ocupar o poder como até mesmo de existir.

O bolsonarismo monopolizou o antagonismo ao PT, tornando-o ideologicamente dependente do ex-presidente e refém de sua agenda disruptiva.

“Se toda oposição floresce da insatisfação com o que existe, e se o que existe é considerado uma democracia plena contra a qual todo questionamento e força vale, ninguém se atreverá a ser oposição”, escreve o advogado. É um argumento pueril e torto. Não se trata de manifestar mera “insatisfação” com a realidade ou com o governo de turno, mas questionar a lisura do resultado das eleições (sem apresentar provas), incitar as Forças Armadas contras instituições (inclusive mobilização militares adesistas a assediarem os militares legalistas) e espionar adversários políticos usando o aparato estatal e ao arrepio da lei.

Convidado pelo Poder 360 para analisar o vídeo da reunião em que Bolsonaro pede para seus ministros agirem antes da eleição, e em que o general Augusto Heleno, então ministro do Gabinete de Segurança Institucional fala em “virar a mesa” e infiltrar ilegalmente agentes da Abin nas campanhas presidenciais, Marsiglia contemporiza: “Inequivocamente vemos alguma medida sendo discutida e planejada, mas não se pode afirmar pelas provas que se tratava de um golpe, nem que ele tenha saído do campo do planejamento para o da tentativa”.

Marsiglia toma a conversa gravada no Planalto como se fosse uma reunião de diletantes da ruptura. Não estamos, por óbvio, a falar de meros militantes, mas da cúpula do Poder Executivo, incluindo o próprio presidente da República. E não se pode isolar esse ato de outros que foram praticados de forma conexa antes e depois. Havia um claro iter criminis com encadeamento de ações tendo um mesmo propósito. A apreensão de uma minuta golpista tanto na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres (que participou do encontro), quanto uma cópia dela na sede do Partido Liberal vai muito além da mera discussão hipotética. Assim como as reuniões com quadros das Forças Armadas.

O bolsonarismo monopolizou o antagonismo ao PT, tornando-o ideologicamente dependente do ex-presidente e refém de sua agenda disruptiva. Para construir uma alternativa viável, é preciso um movimento político interno de emancipação, com a condenação inequívoca dos atos atentatórios à democracia, incluindo os acampamentos ilegais, a violência do 8 de janeiro e a tentativa de deslegitimação do processo eleitoral. E isso não significa aderir ao governo Lula ou ao pensamento de esquerda. Para tanto, é preciso de alguma coragem, o que certamente falta a quem prefere apenas moldar o espólio radical do ex-presidente para se banquetear eleitoralmente com migalhas.

No Brasil, as rupturas sempre se seguem de acomodações e anistias. Não mais. A resposta das instituições democráticas contra um grupo de sabotadores da democracia é inédita em nossa história. É por isso que não se deve confundi-la com perseguição à oposição. Até porque também não se pode confundir oposição com golpismo.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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