O primeiro compromisso oficial de Jair Bolsonaro no Brasil depois de seus três meses de férias na Flórida foi prestar depoimento na Polícia Federal por conta do caso das joias sauditas que recebeu de presente do príncipe Mohammed bin Salman. O ex-presidente enfrenta acusações de que teria tentado se apropriar delas ilegalmente para incorporar ao seu patrimônio pessoal.
Dos três conjuntos recebidos, dois estavam sob sua posse. O outro ficou retido na alfândega do Aeroporto de Guarulhos, uma vez que foi identificado na mochila de Marcos André Soeiro, assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Ao todo, o valor dos bens é calculado em quase R$ 20 milhões. Segundo informações sobre o teor de sua versão, Bolsonaro teria dito que só soube das joias apenas no ano passado e que a operação de resgate, inclusive com participação do 1° escalão de seu governo, foi feita para evitar uma crise diplomática com a Arábia Saudita. É um estadista.
No meio político, a condenação de Bolsonaro é vista como muito provável, o que, se acontecer, acarretará em sua inelegibilidade por oito anos.
Nada em sua oitiva para de pé. As investigações mostram que as tentativas para pegar as joias começaram no próprio dia da apreensão e que se seguiram, de forma infrutífera, até o final do mandato. Bento Albuquerque em pessoa tentou obtê-las, num indisfarçável carteiraço. Aparece em gravações dizendo que elas iriam para a primeira-dama. Se havia preocupação sobre o destino dos presentes, por que todos eles não foram imediatamente entregues ao acervo presidencial, com o preenchimento dos formulários adequados? Isso foi exigido inclusive pelos funcionários da Receita Federal. Muito pelo contrário, o que houve foi a incontestável tentativa de entrar com eles no Brasil sem o conhecimento da fiscalização.
Além dos presentes árabes, Bolsonaro responde a investigações que tramitam na Justiça Eleitoral e no Supremo Tribunal Federal. Uma penca de inquéritos que vão desde sua possível participação estimulando atos antidemocráticos até mesmo a difusão de informações falsas sobre as urnas eletrônicas e vacinas. No Tribunal Superior Eleitoral, em breve ele conhecerá o relatório do ministro Benedito Gonçalves, que vai se posicionar se o ex-presidente cometeu irregularidade ao usar a estrutura pública para atacar o sistema de votação do país em um encontro oficial com embaixadores. No meio político, a condenação é vista como muito provável, o que, se acontecer, acarretará em sua inelegibilidade por oito anos.
No caso do ataque às urnas eletrônicas, há fartura de provas. Toda a materialidade foi produzida pelo próprio governante. A reunião com os representantes de outros países ocorreu em pleno Palácio do Planalto. Num sentido mais amplo, a instituição da Presidência foi instrumentalizada para colocar em dúvida o próprio exercício da democracia, questionando e acusando, sem provas, as demais instituições de manipularem o resultado das eleições. E, o mais inacreditável, fez isso investido do cargo que obteve pela via do voto nas urnas que desacredita. É a definição mais pura de abuso de poder político.
Nesta última semana, o ex-ministro Ciro Nogueira, que foi titular da Casa Civil no governo de Bolsonaro, tratou de rifar o ex-chefe. Em entrevista ao jornal O Globo, conjecturou sobre a possibilidade de o ex-presidente não concorrer em 2026: "Vou ser muito franco: é mais fácil um Bolsonaro injustiçado eleger um presidente do que ele próprio ganhar em 2026". Há meios de se dizer como uma carta pode ser considerada fora do baralho. E na linguagem do centrão é essa.
Nogueira sabe que a situação de Bolsonaro vai se agravando, e nada, nem mesmo uma prisão, pode ser descartada. Articulador nato, o senador do PP se antecipa e vai preparando o terreno para manter o bolsonarismo de pé, ainda que sem Bolsonaro. Tic tac tic tac tic tac...
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