Trancafiada em casa desde o final de junho, a extremista Sara Winter fez uma série de postagens em suas redes sociais manifestando sua inconformidade com os rumos do governo. Naquele tom que lhe é peculiar, ela afirma estar cansada de ficar calada enquanto vê o “governo que dei minha vida enfiar...”. Sobre a ministra Damares Alves, ela diz ser “a filha que a Damares abortou”, e que o oficio que seus advogados encaminharam para o Ministério dos Direitos Humanos “está jogado lá, nem olharam, tampouco responderam”. Ainda invejou o abraço que Jair Bolsonaro deu em Dias Toffoli: “Que inveja eu tenho do Toffoli. Ele pelo menos ganhou um abraço do Bolsonaro”, escreveu.
Fungando e inchada pelo choro contínuo, a Sara Winter do vídeo no Instagram nem de longe parece a figura altiva e irascível que meses atrás liderava manifestações contra o Supremo Tribunal Federal e fazia ameaças a seus integrantes. A militante trocou as tochas e as palavras de ordem por uma verdadeira dor de “corno ideológico” de quem se viu abandonada por um presidente que agora sai a confraternizar com as figuras do establishment a quem ela acreditava que devia combater em nome da causa.
Mas não apenas Sara Winter. Desde que Bolsonaro surpreendeu a todos com a indicação de Kassio Nunes Marques para a vaga deixada por Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal, integrantes do núcleo duro do bolsonarismo passaram a criticar a escolha. Indignado, o pastor Silas Malafaia disse em vídeo que os eleitores do presidente aguardavam um nome “terrivelmente de direita”. Allan do Santos, por sua vez, foi mais melancólico: “Há uma enorme diferença entre bajular e compreender as circunstâncias, entre confiar e aceitar calado decisões ruins. Não trate como seita quem acreditou em você como um ser humano, Jair Bolsonaro. Explique sem exigir fé. Exija a razão e seus eleitores decidem”.
Independente do tom adotado por cada um, o fato é que há um uníssono de decepção entre os apoiadores do presidente. Mas há também quem esteja contente. É o caso do senador Renan Calheiros, que, em entrevista ao jornalista William Waack, disse, referindo-se a operação Lava Jato, que Bolsonaro poderia deixar um grande legado ao país: o desmonte do estado policialesco. De fato, para quem se elegeu prometendo romper com a política tradicional, deixar Renan Calheiros satisfeito e até esperançoso é um sinal de claro estelionato eleitoral.
Bolsonaro foi da belicosidade ao pragmatismo em questão de meses. Quem não lembra da cena que ele protagonizou diante do Palácio do Alvorada depois de uma operação ordenada pelo STF nas investigações do inquérito das fake news? “Acabou, porra!”, disse, para júbilo dos militantes presentes. Para eles, ali estava o líder político que enfrentaria os poderosos do judiciário. Mas ao contrário do que pensa Dante Mantovani, o mundo é redondo e dá voltas. A conversão de Bolsonaro a uma postura de moderação foi se dando pela imposição dos fatos, não por aptidão democrática.
Bolsonaro e o Centrão
O presidente foi encurralado no Congresso à medida que as investigações contra Fabricio Queiroz prosseguiam e passaram a incidir em outros membros de sua família para além de Flavio Bolsonaro. O clima de conflagração entre os poderes, somado ao isolamento político e a queda nos índices de popularidade obrigaram a uma inflexão. Distribuiu cargos, estabeleceu laços com o centrão e se aproximou do presidente do STF, com que desenvolveu um arremedo de amizade.
E aqui é necessário dizer: esse novo Bolsonaro, que articula com Ciro Nogueira, que recebe elogios de Renan Calheiros, que está obcecado com um programa social para chamar de seu e que agora viaja entregando obras e acena ao desenvolvimentismo, é o velho Bolsonaro. O Bolsonaro do baixo clero do Congresso, que se notabilizou pela defesa dos privilégios das categorias militares e pelas posições alinhadas ao pensamento estatizante da esquerda petista.
A construção do Bolsonaro liberal que combateria o establishment por meio da institucionalização do lavajatismo não passa de uma falsificação grosseira que foi construída em cima do clima de antipetismo. A prioridade, o compromisso primeiro de Bolsonaro, repetido em verso e prosa, não é com o que se pretende chamar de conservadorismo, muito menos com a suposta luta contra o Foro de São Paulo, e sim com a preservação de sua família e de seu mandato.
Por que Kassio Nunes?
Ao deixar de lado a nomeação de alguém “terrivelmente evangélico” ou “terrivelmente de direita” para o STF, o presidente consolida a nova fase do governo. Seu escolhido apara as arestas dos conflitos anteriores com a corte, sinaliza a pacificação definitiva com a recém criada base no Congresso e também gera segurança jurídica, visto o manifesto garantismo do indicado.
Afastada a possibilidade de impeachment e com a popularidade em franca ascensão junto aos setores mais carentes da população, Bolsonaro, que caminhava para o abreviamento do mandato, agora tem claríssimas chances de reeleição. É por isso que ele não disse mais uma palavra em favor de seus militantes mais radicais, sejam aqueles em prisão domiciliar ou dramatizando exílio no exterior. Não tem tempo a perder com as lágrimas de amor traído da Sara Winter. O presidente prefere tomar tubaína com Kassio Nunes Marques.
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