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Em entrevista recente para o jornal Folha de São Paulo, Fernando Haddad foi questionado por Mônica Bergamo se ainda era socialista. Respondeu que se definia como “uma pessoa de centro esquerda” com uma “concepção de sociedade muito diferente da que a gente vê”. Em 1998, o atual ministro da Fazenda publicou um livro intitulado Em defesa do socialismo: Por ocasião dos 150 anos do Manifesto, em que discute o legado crítico de Marx e Engels ao sistema capitalista. É curioso notar que o autor dessa obra se tornou, em cerca de 7 meses, no queridinho do mercado financeiro, vencendo até mesmo a carranca de rematados boçais.
Segundo pesquisa de julho feita pela Genial/Quaest a aprovação do ministro da Fazenda é de 65% entre gestores, economistas, analistas e responsáveis pelas maiores casas de investimento do Rio de Janeiro e de São Paulo. Também se tornou a figura com o maior grau de interlocução política do governo junto ao Congresso Nacional, suplantando os titulares da Casa Civil e das Relações Institucionais. Quando da aprovação da Reforma Tributária, Arthur Lira classificou o trabalho de Haddad como “importantíssimo para dar o subsídio necessário, para que, na parte federativa, a reforma tivesse caminhos para podermos construir um acordo global”. Importa lembrar que foi também Haddad quem construiu uma ponte para alcançar o apoio de Tarcísio de Freitas ao texto que foi votado.
É cedo para dizer se o atual governo será bem sucedido na arena econômica. Há pontos de interrogação persistentes, principalmente com velhas taras ideológicas recicladas pelo lulopetismo.
Na última quarta-feira (27), a agência de classificação de risco Fitch anunciou a elevação da nota de crédito do Brasil, passando de –BB para BB, o que indica uma perspectiva de estabilidade. “A atualização do Brasil reflete um desempenho macroeconômico e fiscal melhor do que o esperado em meio a sucessivos choques nos últimos anos, políticas proativas e reformas que apoiaram isso, e a expectativa da Fitch de que o novo governo trabalhará para melhorias adicionais”, publicou a agência em seu relatório. Ainda que não seja possível aferir se há uma tendência nesse tipo de avaliação, fato é que se trata de uma sinalização global positiva.
Haddad atribuiu a melhora da nota brasileira, ao clima de “harmonia entre os poderes da República”. “Eu sempre disse, e continuo acreditando, que a harmonia entre os poderes é a saída para que nós voltemos a obter grau de investimento”, disse durante coletiva de imprensa. Poderia, num lampejo de arrogância, se adonar dos méritos. Mas ele tem a percepção correta e arejada de que a dinâmica política influi sobre a realidade econômica e social, e que isso só pode ser alcançado com equilíbrio pela coletividade de instituições, tendo o Executivo o papel de proponente na agenda de país.
Sob a beligerância e a lógica do conflito permanente não há espaço para o debate construtivo, a busca de consensos mínimos, tampouco a criação de um clima de normalidade que permita e estimule investimentos. Os liberais, mais do que ninguém, deveriam saber disso. Houve, entretanto, quem achasse que o caminho do desenvolvimento poderia se dar pela ruptura, com os tanques nas ruas a emparedar instituições. Que uma invenção militar salvadora nos livraria do comunismo ao mesmo tempo em que também nos devolveria o grau de investimento. Estes estão mais distantes da sociedade de livre mercado do que o ministro da Fazenda que escreveu sobre o socialismo.
É cedo para dizer se o atual governo será bem-sucedido na arena econômica. Há pontos de interrogação persistentes, principalmente com velhas taras ideológicas recicladas pelo lulopetismo. O ataque reiterado ao Banco Central independente e a nomeação de um terraplanista econômico como Marcio Pochmann para o IBGE sempre nos lembram que o atraso está à espreita. Ainda assim, o cenário catastrófico pintado por oportunistas e militantes bolsonaristas travestidos de analistas de mercado não se confirmou, e os dados econômicos do boletim Focus, do Fundo Monetário Internacional e das agências de risco deixam isso bem claro. Haddad não apenas não conduz o país para a virar uma Argentina como ainda pode dar boas lições a alguns de nossos sedizentes liberais.