Pablo Marçal (PRTB) é candidato à prefeitura de São Paulo.| Foto: Reprodução/Instagram Pablo Marçal
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Pablo Marçal não é, definitivamente, uma casualidade fortuita da política brasileira. Sua ascensão meteórica nas pesquisas de opinião, indo de candidato improvável a favorito na disputa em São Paulo, precisa ser analisada com uma perspectiva ampla do quadro ideológico geral do país, combinando os desacertos cruzados da direita e da esquerda. O coach é, ao mesmo tempo, a reafirmação do reacionarismo antiestablishment como rejeição à aliança do bolsonarismo com Ricardo Nunes, e também o repúdio de uma parte do eleitorado contra a ação invasiva e intelectualmente autoritária do identitarismo, representada pela candidatura de Guilherme Boulos.

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Fica cada vez mais claro que escolher o candidato do PSOL para liderar uma coalizão de esquerda na maior cidade do país foi um erro elementar. No último sábado (24), Boulos esteve com Lula em um comício de sua campanha, na Praça do Campo Limpo. O evento foi marcado pela interpretação em linguagem neutra do hino nacional. A artista Yurungai, convidada para cantar, declamou flexionando a letra "E" em versos como “des filhes” no lugar de “dos filhos deste solo és mãe gentil”, atualizando-os para uma versão politicamente correta. A reação geral foi tão negativa que Boulos teve de apagar o vídeo de suas redes sociais.

Como bem descreveu o analista Alexandre Borges, o coach do PRTB “mistura teologia da prosperidade com telexfree”. É a representação do que já chamei de conservadorismo neopentecostal. Articulado, com retórica ágil e conhecedor do processo de sintetização das mensagens, ele não apenas conhece bem o público que pretende atingir, como sabe a forma de motivá-lo. O hino em versão woke, com Boulos como protagonista, fornece enorme material a ser explorado, e também todos os elementos para reforçar a posição de Marçal como antítese não apenas da esquerda representada pelo candidato do PSOL, mas também ao tal sistema.

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É a representação do que já chamei de conservadorismo neopentecostal

Nunes tornou-se, mais por necessidade do que por convicção, o candidato oficial da família Bolsonaro. Ele não é, entretanto, o candidato do bolsonarismo. Pelo menos não do bolsonarismo que habita o zap profundo e se alastra organizado nas redes sociais. O eleitor desse segmento ideológico, altamente mobilizado, não o vê como “alternativa” ou “opção”, mas como parte daquilo que o ex-presidente deveria combater. Conhecedor desse sentimento, Marçal já vocalizou isso dizendo que o ex-presidente teve de “curvar a cervical” ante Valdemar Costa Neto.

Em entrevista à CNN, Marçal tratou de relativizar a liderança de Bolsonaro no chamado campo da direita política. “Nós que somos defensores da liberdade, eu tenho um recado para todo mundo, qualquer brasileiro que estiver em qualquer lugar do mundo, a liberdade não tem dono. Não é o Pablo Marçal que manda nisso, não é Bolsonaro que manda nisso”, disse. Sua mensagem já foi devidamente assimilada pelo eleitorado, que passou a marchar em sua direção. Os mais variados institutos de pesquisas apontam a subtração dos votos de Nunes em contraste ao crescente apoio à Marçal.

Enquanto Marçal desponta como nome de preferência da direita bolsonarista e Boulos lhe confere pauta permanente, Nunes encolhe, perdido na ilusão de que o discurso pragmático sobre a zeladoria municipal lhe dará alguma chance de vitória. Dos principais concorrentes, Tábata Amaral é a única que parece disposta a fazer o debate no campo da política e da moral. Ela o faz com coragem, ainda que sacrificando a própria postulação eleitoral. Surpreende que não seja seguida pelos demais, que parecem ainda inconscientes, tanto à esquerda quanto à direita, de que se converteram em cabos eleitorais involuntários do coach.