Era evidente, desde o primeiro momento, que a tal minuta a propor um Estado de Defesa dentro da sede do Tribunal Superior Eleitoral não era um documento qualquer. Muito pelo contrário, a sua apreensão materializou o crescente intento golpista após a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições. Nem Anderson Torres, então com um mandado de prisão já expedido, afirmou desconhecer sua existência. Tão logo seu teor veio a público o ex-ministro admitiu que estava em sua casa numa “pilha de documentos para descarte” que seria “levado para ser triturado oportunamente”. A Polícia Federal chegou antes.
Quem conhece o mínimo sobre projetos de lei, decretos e portarias sabe que para se viabilizar um, por mais aberrante e ilegal que seja, é necessário técnica legislativa. Há, por assim dizer, uma forma de se construir o texto. Não seria, portanto, um militante qualquer a elaborá-lo para depois deixar na portaria do Ministério da Justiça ou alcançar para Anderson Torres no extinto cercadinho do Palácio da Alvorada. Sua concepção, ao que tudo indica, se deu dentro do governo.
Fica cada vez mais evidente um complô de natureza civil, mas com a participação ativa de militares, tanto na ação efetiva quanto na proteção dos agentes transgressores.
No portal Metrópoles, Paulo Cappelli informou que o próprio Valdemar da Costa Neto teria discutido a ideia de uma intervenção militar do Executivo no TSE. Segundo o colunista, o presidente do PL acabou recusando porque “já havia se exposto o suficiente ao apresentar auditoria contra as urnas eletrônicas”. Agora, segundo o comentarista Caio Junqueira, da CNN Brasil, é Walter Braga Netto, ex-candidato a vice na chapa de Bolsonaro quem aparece como nome proeminente nas reuniões que discutiram a adoção de um Estado de Defesa.
Não a primeira vez que o general da reserva aparece em uma trama desse tipo. Ainda em 2021, durante a discussão da PEC do voto impresso no Congresso Nacional, o jornal Estado de S. Paulo informou que Braga Netto teria ameaçado Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, com a não realização de eleição em 2022. Ainda que o militar tenha negado, Lira jamais desmentiu a informação.
Nos últimos dias, a investigação sobre os atos golpistas atuou na prisão de diversos elementos identificados como partícipes diretos ou financiadores. São, entretanto, a camada mais baixa de uma teia conspiracionista que, agora se sabe, também tinha elementos a idealizar a ruptura também nos altos escalões do antigo governo. Fica cada vez mais evidente um complô de natureza civil, mas com a participação ativa de militares, tanto na ação efetiva quanto na proteção dos agentes transgressores. Segundo um relatório do Ministério da Justiça, integrantes das Forças Armadas lotados no Palácio do Planalto participaram do acampamento na frente do quartel-general do Exército em Brasília.
O quadro vai ficando claro conforme novos elementos se sobrepõem. Enquanto se elaborava a minuta do Estado de Defesa, crimes eram praticados para se criar o caos: notadamente o vandalismo praticado no dia 12 e a tentativa de atentado no dia 24. De um lado a base radicalizada a mobilizar ações criminosas que instassem um ato de exceção. De outro lado, autoridades a confabular meios de inviabilizar o processo democrático pervertendo atos do Executivo. Havia elos comunicantes entre eles? Uma relação hierárquica? O Brasil pode estar diante de uma organização criminosa que tinha como alvo a democracia, e que resultou na intentona fracassada do 8 de janeiro.
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