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Guilherme Macalossi

Guilherme Macalossi

Não devemos nossa democracia aos militares, ministro Múcio

José Múcio Monteiro
José Múcio, ministro da Defesa (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

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Antes em silêncio resoluto, Mauro Cid agora virou delator do círculo íntimo do poder durante o governo de Jair Bolsonaro. Segundo o que se sabe de sua colaboração com a Polícia Federal, o tenente-coronel teria afirmado que o ex-presidente se reuniu com a cúpula militar para discutir a possibilidade de um golpe de Estado. Na denúncia, Cid diz que Bolsonaro recebeu em mãos uma minuta de projeto que interferiria no processo eleitoral, e que após ler o documento conversou com membros do alto comando. O almirante Almir Gariner, chefe da Marinha, teria topado a empreitada, que não foi adiante porque o comandante do Exército se recusou a participar e ainda ameaçou Bolsonaro de prisão. Ao que tudo indica, escapamos de uma quartelada por pouco.

Ao comentar o episódio, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, ressaltou que “Devemos ao Exército, à Marinha e à Aeronáutica a manutenção da nossa democracia”. A história prova o contrário. Desde o fim da monarquia, o que tivemos dos militares foi uma série de intervenções e processos ditatoriais, tendo o último ocorrido em 1964 e se desdobrado por duas décadas. São os militares que devem desculpas a nossa democracia, que é fruto da vontade política dos civis.

As instituições que temos hoje não são filhas da caserna ou do beneplácito dos generais, mas da Constituição construída por democratas.

A redemocratização não ocorreu como um favor dos militares (e o gigantesco movimento das Diretas Já comprova isso). As instituições que temos hoje não são filhas da caserna ou do beneplácito dos generais, mas da Constituição construída por democratas de vértices ideológicos dos mais diversos. Na cabeça de Múcio, deveríamos todos prostrar-nos na frente dos quartéis em agradecimento aos fardados por estes nos permitirem o exercício do sufrágio universal e da livre associação. É uma hipótese aberrante. É a Constituição, um documento civil, que delimita a atuação dos militares, e não o contrário.

A declaração de Múcio apenas ressalta que este senhor já deveria ter sido demitido do Ministério da Defesa, e isso já no dia 2 de janeiro, quando ele admitiu que tinha parentes e amigos na frente dos quarteis. Na época, também afirmou que via a presença e atividades desses grupos como “manifestação da democracia”. Em 8 de janeiro, menos de uma semana depois, extremistas oriundos daquelas instalações saíram em marcha até a sede dos Três Poderes, promovendo um ataque criminoso contra as instituições. Não se sabe se algum amigo de Múcio foi partícipe dos atos, o que se sabe é que as Forças Armadas deram de ombros para os acampamentos golpistas erguidos, com o ministro da Defesa contemporizando como se estivesse completamente alheio à realidade.

Na noite do dia 8, quando, sob ambiente de enorme tensão, se discutiu o que fazer com os manifestantes em Brasília, Múcio nem estava presente na reunião envolvendo o Comando Militar do Planalto e o presidente da República. O relato consta no depoimento prestado à Polícia Federal pelo general Gustavo Dutra, a que a revista Veja teve acesso. O militar relatou que, ao final de uma ligação, Lula perguntou: “O ministro Múcio está aí?”. O titular não estava. “Deveria estar”, falou Lula.

Múcio, aliás, testemunhou a insubordinação de quadros de alta patente. Lula sempre desejou que os acampamentos fossem imediatamente desmobilizados, mas nada aconteceu até depois do dia fatídico dos ataques. O ministro da Defesa foi incapaz de fazer o então comandante do Exército, Júlio César Arruda, a se demover de sua inação. “Aqui ninguém mexe!”, respondia o general. Arruda acabou demitido pelo presidente. O prejuízo de sua insubordinação, entretanto, continua em processo de cicatrização, até pelo seu ineditismo.

Como ministro da Defesa, Múcio tem a função de servir como elo entre o Planalto e a caserna. Não é, deve-se ressaltar, uma função fácil, ainda mais num contexto de conflito, em que, agora sabemos, membros do topo da hierarquia militar conspiraram abertamente pela ruptura. Mas uma coisa é manter o diálogo necessário e buscar a melhoria das relações, outra coisa é displicência, falta de pulso e covardia moral para punir militares infratores e, conjuntamente a isso, subscrever a tese de fundo do baguncismo que é o falso papel das Forças Armadas como tuteladoras da democracia brasileira.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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