As câmeras de segurança da Praça dos Três Poderes registraram para a história a imagem desesperada e patética de um extremista tentando, pelos meios que tinha, destruir o Supremo Tribunal Federal e, simbolicamente, a estrutura institucional do país. Francisco Wanderley Luiz, o Tio França, era o radical do golpismo na ponta, sem juízo e cheio das certezas que lhe foram inoculadas na cabeça. Devia se achar parte daquilo que Jair Bolsonaro descrevia como seu “exército”. E se propôs, ultrapassando qualquer limite, empreender uma “missão patriótica” em nome daquilo que muitos chamam distorcidamente de "defesa da liberdade”. Um mártir em nome da causa do golpismo, como outros tantos a protagonizar cenas de terror mundo afora.
Ainda que tenha dado cabo da própria vida e colocado a de terceiros em risco, Tio França era menos perigoso que outros agentes que tentaram fazer o mesmo golpismo, mas juntando a convicção e o “senso de dever” com o método e o treinamento de uma vida. Enquanto ele recorria a fogos de artifício e a explosivos improvisados, outros maquinaram e colocaram em prática ações de espionagem e estratégia militar com o objetivo de matar autoridades e líderes políticos eleitos. Nesse verdadeiro zeitgeist do golpismo que foi insuflado no Brasil nos últimos quatros anos, há os malucos e os profissionais.
Pacificar o pais, afinal, não é fechar os olhos para aqueles que tramavam nas sombras incendiá-lo para não deixar o poder
Na última terça-feira, a Polícia Federal deflagrou uma operação para desbaratar uma organização criminosa que planejou impedir a posse de Lula. Cinco pessoas foram presas. O general de brigada Mário Fernandes (da reserva), o tenente-coronel Helio Ferreira Lima, os majores Rodrigo Bezerra Azevedo e Rafael Martins de Oliveira, (todos eles integrantes das Forças Especiais do Exército), e também o policial federal Wladimir Matos Soares.
Segundo a investigação “a organização se utilizou de elevado nível de conhecimento técnico-militar para planejar, coordenar e executar ações ilícitas nos meses de novembro e dezembro de 2022”. Além de impedir a posse do presidente eleito, o objetivo era assassiná-lo, junto com o então vice-presidente Geraldo Alckmin e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes. Um gabinete de crise seria então instaurado de maneira a reestabelecer a ordem nacional.
Desde que caiu o sigilo da decisão de Alexandre de Moraes e tornou-se pública a conspirata dos envolvidos, já há quem esteja reciclando a tese dos “atos preparatórios” para isentá-los de qualquer responsabilidade. Como se nada tivesse ocorrido apenas porque a pretensão fora frustrada. De fato, conjecturar a prática de um crime não é punível, mas não está se falando apenas disso. Os agentes envolvidos montaram uma organização que já implementava ações objetivas com vistas a cumprir o objetivo de derrubar o sistema democrático, incluindo ai o monitoramento ilegal das autoridades e infiltração no esquema de segurança de Lula.
Há uma confusão deliberada aqui entre o crime de homicídio e o crime de tentativa de abolição do Estado de Direito. As mortes de Lula, Alckmin e Moraes não eram o fim em si mesmo, mas o meio para alcançar o objetivo verdadeiro: a usurpação do poder mediante uma série de outros atos decorrentes dos assassinatos. E sim, estamos a falar de uma série de ações que já estavam em curso, não de diletantismo ou de conjecturas.
O Brasil já conviveu demais com anistias e esquecimentos, muitas vezes com trágicas consequências para a própria democracia. Pacificar o pais, afinal, não é fechar os olhos para aqueles que tramavam nas sombras incendiá-lo para não deixar o poder.
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