Ainda no início de abril, o ex-presidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore, fez um vaticínio pessimista sobre o impacto do arcabouço fiscal apresentado pelo governo. Segundo o economista, sua eventual aprovação no Congresso Nacional será “uma licença para aumentar gastos”. Para ele “a equação só fecha com aumento brutal da carga tributária”. Isso porque a tal regra se alicerça eminentemente numa obrigatória elevação das receitas. Em outras palavras: arrecadação maior.
A ministra do Planejamento, Simone Tebet, fala que, para tanto, serão necessários mais R$ 150 bilhões ingressarem nas contas públicas. A receita só sobe dessa forma ou com atividade econômica robusta, ou com elevação de carga tributária ou com cortes nas despesas. Não há cenário fácil, entretanto.
A matemática é como é: exata e implacável. Já a desejada por Lula é impossível, e aprofunda o abismo econômico.
As projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2023 e 2024 não são das melhores. As condições internas e externas impedem que o país repita o desempenho visto entre 2007 e 2010. Os próximos anos serão de estagnação e crescimento tímido. Por sua vez, a visão econômica predominante no governo é contrária ao controle das despesas. Pelo menos é o que Lula diz de forma muito clara. Ele acha que gastar mais é melhor. De modo que restaria a elevação de impostos, que só seria aprovada mediante um desgastante debate no Legislativo. O governo nega que busque essa solução, até porque sabe que dificilmente qualquer proposta desse tipo seria rejeitada.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entretanto, garante que os tais cortes virão. E parece já ter escolhido o vilão da história: as desonerações. “Ao invés de medida correta de apoio aos trabalhadores, ficamos sustentando ineficiências econômicas. Isso tem que acabar. A maior caixa preta que existe no Brasil é essa. Entre aquilo que está declarado na lei, mais de R$ 400 bilhões em renúncias, há aquilo que na prática são ralos de mais de R$ 100 bilhões. Dá mais de R$ 600 bilhões que a união perde em nome de meia dúzia que fazem lobby no Congresso e no Judiciário", disse.
O ministro da Fazenda e sua equipe batem cabeça para fechar a conta de um arcabouço que ainda nem foi aprovado mas já parece insustentável.
Como número redondo, os tais 600 bilhões são uma soma impressionante e que tendem a chamar a atenção dos eleitores. Presume-se que basta dar uma ordem para devolver parte desses recursos aos cofres públicos e, voilà, a conta do tal arcabouço fiscal fica no azul. Mas isso não passa de mágica de circo chinfrim.
Se colocados sob uma lupa, os valores das desonerações impactam em setores sensíveis. A começar pela agricultura, que tem uma desoneração de R$ 53 bilhões. Haddad pretende dar uma tesourada ali, diminuindo a competitividade dos produtores e aumentando o custo do alimento na mesa dos brasileiros? E as entidades sem fins lucrativos, incluindo a redes hospitalares? Estas consomem R$ 40 bilhões. O Simples Nacional, por sua vez, tem um subsídio de R$ 118 bilhões. Vai tirar o benefício das micro e pequenas empresas que estão num regime tributário diferenciado? Topa arcar com o custo social disso? Não parece que Lula seja esse tipo de político.
O problema é apelar ao discurso fácil e fazer demagogia em cima de uma questão tão complexa.
É importante lembrar que foi Dilma Rousseff a campeã das desonerações. Usou esse instrumento de maneira a retardar e maquiar as condições da economia brasileira quando esta já tinha ido para o vinagre no último mandato do PT. Também faltam estudos para embasar tais cortes. Quais dessas desonerações foram positivas? Quais foram ineficazes? Só com dados é possível determinar o que se encerra, o que se diminui e o que se mantém.
Da forma como Haddad colocou, até parece que o Estado está sendo vítima de empresários inescrupulosos que sugam as verbas públicas em nome de seus interesses. A fala os trata como criminosos saqueadores do erário. Não o são, ainda que desonerações possam e devam ser analisadas com cuidado. O problema, por óbvio, é apelar ao discurso fácil e fazer demagogia em cima de uma questão tão complexa.
Outro problema que já se observa é a dificuldade em atingir um ritmo equilibrado entre o crescimento da despesa e o crescimento da receita. Ainda que o governo obtenha novas fontes de recursos para compensar os gastos gerados, quem garante que serão suficientes? Até aqui as novas despesas criadas não foram compensadas em igual medida por novas fontes de financiamento.
Enquanto Lula continua com sua guerrinha oportunista contra o Banco Central e a base no Congresso Nacional permanece desarticulada e pouco interessada em aderir à agenda do Palácio do Planalto, o ministro da Fazenda e sua equipe batem cabeça para fechar a conta de um arcabouço que ainda nem foi aprovado mas já parece insustentável. A matemática é como é: exata e implacável. Já a desejada por Lula é impossível, e aprofunda o abismo econômico.
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