A China mostrou, com inequívoca autoridade, quem é que manda no BRICS. A reunião do grupo, ocorrida em Joanesburgo, na África do Sul, serviu para anunciar sua ampliação, com a adesão de Argentina, Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito e Etiópia. Se fez a vontade de Xi Jingping, que comemorou o resultado num comunicado para a imprensa. Antes disso ele já havia declarado que o bloco compartilhava de “amplo consenso e objetivos comuns”. Pela sua nova formatação, que passa a valer a partir de 1° de janeiro, fica evidente que se busca construir uma frente contra os Estados Unidos e a Europa, tendo Pequim como centro político.
Em entrevista para a BBC News Brasil, o economista britânico Jim O’Neill se mostrou cético em relação aos critérios usados para a entrada de novos membros. Foi O’Neill, em 2001 que cunhou a sigla BRIC, num relatório que produziu para o Goldman Sachs. Na época, a análise que fez projetava vocações e potenciais econômicos semelhantes aos países que designou. A formalização do bloco veio depois. Agora ela se mostra crítico: “Não me parece que haja nenhum critério objetivo usado para determinar quais países seriam convidados a aderir”. Ele também aponta para o simbolismo da ampliação: “Continuo sem saber o que os BRICS pretendem alcançar, além de um simbolismo poderoso. Isso fica óbvio com a escolha do Irã, por exemplo. Diria que pode até tornar as coisas mais difíceis”.
O simbolismo a que se refere O’Neill é menos em relação a qualquer objetivo econômico (ainda que exista) e mais no campo geopolítico. O novo BRICS é talvez a melhor expressão do que vem sendo designado como “Sul Global”, o conjunto de países que outrora foi chamado de “Terceiro Mundo”. O que parece unir esse bloco reformado é a contestação à ordem internacional surgida após a II Guerra Mundial. Alegam que as instituições construídas desde então já não representam a realidade global, descrita hoje como “multipolar”. O discurso entretanto, é explicitamente instrumentalizado para pregar o antiamericanismo e atacar os valores da sociedade aberta bem como a herança do predomínio cultural do Ocidente.
À exceção da Argentina, que tem sérios problemas políticos e econômicos, os novos integrantes do BRICS são regimes tirânicos onde não há qualquer respeito pelos direitos humanos básicos. O Irã, citado por O’Neill, é acusado inclusive de financiar o terrorismo, municiando grupos que atuam por todo o Oriente Médio, com foco na região de Israel.
O Brasil entra nesse contexto como ator periférico, diminuído até mesmo no contexto do BRICS. Além do ingresso da Argentina (e não se sabe nem mesmo se isso se concretizará, já que depende do rumo do país nas próximas eleições), a diplomacia lulopetista só conseguiu uma genérica promessa de apoio ao Brasil numa eventual reforma do Conselho de Segurança da ONU. Não é a primeira vez, alias, que isso acontece. Em 2004, durante o primeiro mandato de Lula, o Brasil já havia reconhecido a China como economia de mercado, exatamente pra alcançar o mesmo objetivo de agora.
O Brasil entra nesse contexto como ator periférico, diminuído até mesmo no contexto do BRICS
A China pretendia ampliar o BRICS para ampliar também sua própria esfera de influência. E conseguiu. Com a pulverização do grupo, cresce a sombra de Pequim sobre os demais membros, cujos interesses acabam diluídos. O bloco parece ilustrar bem a divisão do mundo que vai ganhando contornos cada vez mais expressivos, como já assinalou Joe Biden, atual presidente dos Estados Unidos: de um lado as democracias liberais, e de outro as autocracias. O Brasil escolheu seu lado, em troca de migalhas.
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