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A democracia tem dono? Lula deve achar que sim. Semana passada, um dia após a comemoração do 8 de janeiro, o petista perpassou a galeria de ex-presidentes localizada no Palácio do Planalto reclamando para assessores sobre o que deve classificar como falta de contexto sobre como cada um deles chegou ao poder. “O que eu quero é que conte a história, a Dilma foi eleita, foi reeleita, depois sofreu impeachment, que foi um golpe, depois esse aqui (indicando Michel Temer) não foi eleito. Esse aqui tomou posse em função do impeachment da Dilma, tá? Depois esse aqui (apontou para Jair Bolsonaro) foi eleito em função das mentiras. É isso que tem que contar”, disse.
O que o atual mandatário deseja, entretanto, não é contar a história, mas fazer revisionismo dela segundo a ótica petista. A proposta de Lula é subversiva, perigosa e ilegal. Basta submetê-la aos seus próprios termos para constatar isso. Prosperando a ideia, se abriria o precedente para que qualquer governante de turno pudesse alterar o contexto informativo dos presidentes anteriores de que não gostasse.
O constrangedor “abraço pela democracia” foi o encontro da cúpula do governo com parte dos militantes instalados nos ministérios que aguardavam na base da rampa do Planalto. Muito grito e nenhum povo
Um sucessor oposicionista, por exemplo, poderia se achar no direito de mandar colocar abaixo das fotos de Lula os casos de corrupção em seus mandatos e atribuir a eles o motivo de suas vitórias eleitorais.
Durante o evento alusivo aos ataques antidemocráticos do 8 de janeiro, o presidente já havia metido os pés pelas mãos, se intitulando “amante da democracia”, já que, segundo ele, “na maioria das vezes, os homens são mais apaixonados pela amante do que pelas mulheres”. Desde Winston Churchill, a humanidade não se deparava com uma exaltação tão completa e pungente do sufrágio universal. Antes de Lula, quem abriu os trabalhos do evento foi Janja, sempre disposta a se meter em todos os assuntos do governo, passando por cima da hierarquia, dos cargos, do protocolo e do bom senso.
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Não surpreendente que de um ano para o outro tenha havido tamanho esvaziamento do evento promovido pelo governo. Ao contrário do 8 de janeiro de 2024, que teve a presença de governadores, líderes parlamentares e representantes dos Três Poderes, o que se viu esse ano não passou de uma quermesse petista. O constrangedor “abraço pela democracia” foi o encontro da cúpula do governo com parte dos militantes instalados nos ministérios que aguardavam na base da rampa do Planalto. Muito grito e nenhum povo.
A percepção crescente é de que o PT se move para tomar posse da data, monopolizando a defesa da democracia como se fosse apenas sua. Os discursos ensimesmados, inclusive a proposta de Lula de recontar a história de seus antecessores, servem unicamente para enfraquecer a dimensão histórica do dia, que deveria ser da própria democracia e de suas instituições, não de quem se diz seu amante.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos