A decisão do ministro Alexandre de Moraes de incluir Jair Bolsonaro entre os investigados no inquérito das fake news é representativa do estado de calamidade institucional a que o Brasil foi levado sob a condução incendiária do presidente da República. O despacho é duríssimo em seus termos. Nele, o magistrado assinala que foi mais uma “das ocasiões em que o mandatário se posicionou de forma, em tese, criminosa e atentatória às Instituições, em especial o Supremo Tribunal Federal”. Referia-se à live da última quinta-feira (29), na qual Bolsonaro, tentando provar que as urnas eletrônicas foram fraudadas, cometeu mais um crime de reponsabilidade.
O ministro atendeu a uma notícia-crime apresentada pelo Superior Tribunal Eleitoral. Além disso, ainda com base no vídeo produzido pelo Planalto, a referida corte, por meio do Corregedor-Geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, também decidiu abrir um inquérito administrativo próprio para apurar possíveis fatos que caracterizariam abuso de poder econômico, corrupção, fraude, abuso de poder político, uso indevido dos meios de comunicação social, uso da máquina administrativa e propaganda antecipada.
É falso que Bolsonaro esteja em uma briga apenas como Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, como disse. Seu conflito é amplo. O alvo é o Judiciário, que acusa abertamente de manipular os resultados das eleições. A denúncia sem provas que faz se estende para anos anteriores. Diz que Aécio Neves ganhou a presidência em 2014, e que ele mesmo ganhou no 1° turno em 2018, além de jogar sombra da desconfiança sobre a apuração em 2022. Suas calúnias e difamações atingem a íntegra dos colegiados que compuseram e compõe a Corte, atentando descaradamente contra o livre exercício dos poderes.
Estava na hora de as lideranças institucionais reagirem para além de notinhas de repúdio anódinas e bocejantes. Era necessário uma ação concreta que não permitisse Bolsonaro continuar sua escalada de ofensas, ataques, falsificações e ameaças de forma impune. Agora ele enfrenta mais uma investigação, que se soma a da suposta interferência na Polícia Federal e a de suposta prevaricação no caso da vacina Covaxin.
O presidente sentiu, o que o levou a uma nova rodada de ataques. Reciclou como acusação uma notícia de 2018 sobre a invasão hacker ao sistema do TSE. Em entrevista para a Jovem Pan, e depois em suas redes sociais, apresentou como “prova” um inquérito sigiloso e incompleto da Polícia Federal que apura o caso. Na época, um invasor conseguiu chegar ao sistema preparatório da urna eletrônica. Apesar da inegável gravidade do caso, nada ali sustenta manipulação no resultado das eleições, como Bolsonaro alega reiteradamente.
Sim, sistemas conectados à internet são passíveis de ataques de criminosos virtuais. Ocorre que urnas eletrônicas são aparelhos off-line. Nem portas de acesso físico possuem. A instalação do software inserido nelas precisa ser feita de forma individualizada, e passando por inúmeros procedimentos de checagem, fiscalização, e controle, exercidos por partidos políticos, coligações, entidades independentes e Ministério Público. Todas essas etapas estão devidamente regulamentadas no Artigo 66 da Lei 9504/97 e na resolução 23.603/2019 do TSE.
Segundo relatório de Giuseppe Janino, então Secretário de TI do TSE, o código fonte acessado pelo hacker não tinha assinaturas oficiais de lacração (parte do processo de segurança da votação), não sendo possível "a geração de um boletim de urna válido para a totalização a partir disso". Bolsonaro não se deu conta, mas ao invés de provar que as urnas são frágeis e fraudáveis, evidenciou as múltiplas barreiras que existem para impedir manipulações. Apesar de o invasor ter chegado ao sistema preparatório da urna, estava muito longe de poder controlá-la.
Na noite desta quinta-feira (05), Luiz Fux cancelou o encontro dos chefes de Poderes. O fez pela conduta de Bolsonaro, que já passou do flerte para a ameaça real de ruptura. Sim, o presidente agora fala em agir fora das “quatro linhas da Constituição”. A pergunta é: fará o que?
A mudança no sistema de apuração já teve amplo apoio. Chegou a ser aprovada por unanimidade no Congresso. Agora não passa nem mesmo numa comissão especial. A pauta foi contaminada pelo conspiracionismo bolsonarista e se deslegitimou no mundo político. Deixou de representar a busca pela transparência e virou um achaque contra a democracia, uma chantagem golpista. E é exatamente por isso que ela não pode prosperar.
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS
Deixe sua opinião