Não, não pretendo passar pano para Rodrigo Maia. Longe disso.
Antes de quaisquer considerações sobre o mérito de minha análise, deixo claro que existem investigações em curso contra ele. Todas paradas na Procuradoria-Geral da República. A mais recente é da Polícia Federal, que o aponta como recebedor de R$ 1,6 milhão da Odebrecht entre 2008 e 2014. Segundo o documento, baseado em delações premiadas, esse montante seria em troca de um “canal aberto de comunicação para o exercício de influência”.
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O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, viu inconsistências na peça acusatória e determinou a revisão dos autos. Se eventualmente for comprovada sua culpa, que arque com as consequências e sofra as sanções penais cabíveis. É preciso, entretanto, aguardar Aras, até porque o resultado das novas diligências pode também levar ao arquivamento do inquérito.
Enquanto o Procurador-Geral indicado por Jair Bolsonaro cuida disso, o que se pode fazer é avaliar a atuação de Rodrigo Maia como presidente da Câmara dos Deputados. E ela vem sendo irrepreensível.
Maia faz uso das prerrogativas de sua função com engenho, dando protagonismo ao Legislativo em um dos momentos mais delicados de nossa história, inclusive do ponto de vista das relações entre os poderes. Em inúmeras ocasiões, pautou a casa que comanda relevando as provocações do chefe do Executivo e de sua turba de fanáticos.
Os bolsonaristas, alias, fizeram do ódio a Rodrigo Maia uma profissão de fé. Deveriam é lhe ser gratos. A Reforma da Previdência, o único feito digno de nota do atual governo, não teria saído do papel sem que Maia tivesse mobilizado seus pares pela aprovação. Ou alguém acha que o projeto teria sido bem sucedido sob a liderança do Major Victor Hugo ou de Carla Zambelli?
Alias, é bom lembrar: na época em que se discutia a reforma, os parlamentares do PSL estavam mais interessados em atacar o presidente da Câmara do que viabilizar o texto, que ajudaram a retalhar em nome de interesses corporativos influentes dentro da sua bancada. Foi o PSL, com o apoio de Bolsonaro, que apresentou destaques visando flexibilizar regras de aposentadoria para policiais federais, rodoviários e legislativos.
A falta de harmonia do governo, a incapacidade de tocar a articulação política e a sanha de eleger inimigos quase sepultaram a Reforma da Previdência, que só foi votada porque o comando do Legislativo a compreendia como imperiosa para o futuro do país. Sem a participação do governo, acabou aprovada em dois turnos com votação recorde para um Projeto de Emenda Constitucional.
Ainda semana passada, Rodrigo Maia voltou a salvar o governo de si mesmo. Dessa vez na bacia das almas. Atuou de última hora junto ao centrão de Ricardo Barros para reverter a decisão do Senado que derrubava o veto do presidente à possibilidade de reajuste dos servidores públicos durante a pandemia.
Essa, alias, foi outra matéria em que o Bolsonaro assumiu uma posição contraditória, parindo a confusão que quase custou dezenas de bilhões aos cofres públicos. A exclusão de categorias do funcionalismo ao congelamento dos salários foi negociada pelo governo com o Congresso. O próprio líder do governo na Câmara Federal, o já mencionado Major Victor Hugo, chegou a dizer que orientava o voto em relação à matéria com base nas diretrizes do presidente.
Quem estrilou foi Guedes, que pressionou Bolsonaro a vetar os dispositivos, o que acabou acontecendo no limite do prazo, abrindo janela para inúmeros reajustes. O próprio presidente foi responsável por um deles. Um dia antes do veto, encaminhou uma Medida Provisória concedendo aumento para policiais militares, civis e bombeiros do Distrito Federal. Com isso, criou uma demanda reivindicatória na véspera de impedir todas as demais categorias de terem direito ao mesmo tipo de benefício.
Não se pode culpar o Senado por votar de acordo com o que havia sido previamente negociado com o governo. Tanto é assim que os votos fundamentais pela derrubada do veto na casa vieram de apoiadores de Bolsonaro, como a senadora Soraya Thronicke.
O resultado adverso produziu reações destemperadas de Bolsonaro e Paulo Guedes. O primeiro disse que o país se tornaria “ingovernável”, e o segundo que os senadores haviam praticado um “crime”. Frases de efeito que não ajudaram a resolver o problema.
Com silêncio e obstinação, Maia e Barros costuraram o consenso entre seus colegas de que a possibilidade de reajustes era incompatível com a realidade. Em 24 horas garantiram o veto presidencial e derrubaram a decisão do Senado.
O ambiente propício para uma agenda de reformas demanda reconhecimento do exercício da política e das relações institucionais. Para isso é preciso de disposição para o diálogo, não o desejo incontido de encher a boca dos outros de porradas.
Apesar de eventuais erros e de uma banda de congressistas despreparados, é o Legislativo liderado por Rodrigo Maia que hoje representa o fiel da balança ante o baguncismo promovido pelo Palácio do Planalto. A demonização do presidente da Câmara pelo bolsonarismo militante é apenas expressão do ódio que essa gente nutre pelos fundamentos da democracia liberal.
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